A Maria Alice, sempre teve o sonho de conhecer o Rio de Janeiro. Mas nunca o realizou. A filha dela partilha desse sonho, mas ainda não o cumpriu. Quis o destino que fosse a sua neta a primeira a visitar a cidade maravilhosa, que pinta o cenário das novelas da globo. Talvez herdado pelas viagens de sonho nunca antes cumpridas, o Brasil esteve sempre no topo da minha lista de locais a visitar.
Um dia, como todos os outros em que decido para onde ir, corri o mundo inteiro pelo ecrã do computador, não portátil. Sentada à secretária no meu quarto, desbravei todos os sites de viagens que conhecia. Programo as viagens de longo curso com bastante antecedência, tendo em conta as épocas baixas, datas festivas e as amizades que tenho emigradas por este mundo fora. Brasil foi a opção mais viável na altura, a Elsa fazia um intercâmbio universitário no Rio de Janeiro e por todos os motivos decidimos ser a altura ideal para a visitar. Umas horas de pesquisa depois encontrei uma passagem económica. Marquei na hora, apercebi-me das várias escalas quando finalizei o pagamento. O dia D chegou e lá fui eu cheia de samba no pé. Fiz o check-in no Sá Carneiro e 40h depois aterrava no Rio de Janeiro. Sim, 40 horas depois. Relação preço qualidade a não surpreender. Vamos culpar a minha, pouca, miopia e o amor ao dinheiro.
Em modo walking dead, procurava a minha mala que tardou em saltitar para a passadeira de recolha de bagagem. Tardou 1h30, para ser precisa. A ansiedade que a Elsa tivesse desistido de me esperar e abalado, tomou conta de mim. Respirei fundo e saí pelas portas de vidro que escondem os que aguardam pelos chegados. Ela estava lá, como combinado e como todos os bons amigos deveriam estar. Não arredar pé, independentemente do tempo de espera. A gigante mala verde ficou caída pela alcatifa quando ela e eu corremos para um abraço apertado.
(Podes continuar a ler com sotaque brasileiro, se te apetecer).
Depois de uma tour pela janela do táxi carioca, com direito a ver o Cristo Redentor ao longe, fomos dormir. Na manhã seguinte, sentadas num boteco a almoçar feijoada com farofa e a refrescar com a, original, caipirinha a Elsa tomou conta do pedaço. Sacou do bloco de notas, da caneta e esboçou um plano com as paragens obrigatórias a fazer, acompanhada ou sozinha. Lia-se: escadaria Selarón, Lapa, Pão de açúcar, Leblon, Copacabana, calçadão, Ipanema, Corcovado, Cristo Redentor, Arpoador, Angra dos Reis, Ilha grande, muito sol, muitas caipirinhas e bikinis. Ao longo de treze dias fui riscando os objetivos a cumprir e deixa que te diga… as minhas férias foram show de bola!
O Rio de Janeiro é tudo o que eu vi pelo pequeno ecrã da minha sala de jantar. O sotaque e a música brasileira que se ouve nas ruas faziam-me sorrir e dançar. Deambulei a pé e sozinha por esta cidade sem nunca me sentir perdida. Fui aconselhada a não exibir nenhum objeto ou ornamento valioso. Por isso, saía de casa de shorts, t-shirt, havainas nos pés, toalha ao ombro, telemóvel e dinheiro nos bolsos. Brincos, relógios, anéis e toda a bugiganga desnecessária ficou de férias em Portugal.
Considero-me um espírito livre, que dá mais valor a momentos improvisados do que ao tempo e dinheiro que se gasta em museus e galerias. Mas isto sou eu. Um passeio à noite no calçadão, uma água de coco a beira-mar, uma caipirinha gelada na Lapa, o abrir os braços no topo do Cristo Redentor, a falta de ar quando me apercebi da altitude do Pão de Açúcar e o entender do sotaque que separa dois povos com a mesma língua, são os melhores momentos que guardo na memória. Estes e os guarda-sóis costurados com bikinis, que deambulavam pelo areal como se de uma miragem se tratasse. Que perdição, nunca saí da praia só com o bikini que havia vestido.
Foi ainda na praia que aprendi que a palavra rolê, dependendo do tom de voz usado, traduz intenções sexuais e que o algarismo seis se chama meia, quando ditando um número de telefone. Aprendi ainda que o álcool é bastante caro e que se te reconhecem como turista, ou gringa, aplicam preços absurdos. No entanto, na sobriedade diurna é possível escapar às inflações que nos aplicavam, mas de noite… Todos os gatos são pardos. Ou no nosso caso parvos. A Elsa, dois algarvios (estudantes no RJ) e eu decidimos curtir a minha última noite carioca. Divertimo-nos ao máximo, dançámos o funk brasileiro no mini palco da discoteca e ouvimos ainda a “Glamurosa” do MC Marcinho ao vivo e a cores. O calor humano e sazonal que se sentia, exigia hidratação. De preferência com algum grau alcoólico. Bebemos. Bebemos todas, a dançar pela noite fora. Porém, no final da noite o dinheiro dos quatro não era suficiente para pagar os cartões de consumo da discoteca. O que nos valeu foi o dono do espaço, que era português nortenho e nos deixou sair com a condição de voltarmos no dia seguinte. O que não aconteceu. Nenhum dos quatro tinha dinheiro para o ônibus de regresso a casa. No entanto, embarcámos num e mentimos, dizendo que tínhamos sido assaltados. De facto fomos, pela nossa estupidez financeira. Tanta rebeldia junta. Descemos na paragem de Copacabana, convictos a lavar no mar aquela camada peganhenta que nos cobria a pele e a vergonha de sermos todos uns caloteiros mentirosos. Corremos em direção ao mar agitado, iluminado pelo luar, mas só eu mergulhei. Aqueles três tugas cariocas teriam mais oportunidades de nadar à noite no Rio de Janeiro, eu não.
No dia seguinte, e em tom de despedida, estatelei-me sozinha na areia, adormecida pelo sol quente que me doirava a cabeça, rodeada de corpos esculpidos e bundas generosas. Um grupo de homens mais velhos, entre 35-40 anos, acordaram-me com o barulho de manchetes, passes e remates. Como uma criança feliz, que jogava e é apaixonada pelo voleibol, fixei-me neles como um cão que não desvia o olhar da bola. Após um aquecimento amigável, ajustaram a rede, as fitas que delimitavam o campo e dividiram-se em duas equipas, sendo que faltava um jogador:
– Pô, o Raúl não vem não ?
– Não, mandou um text agora mesmo.
Eu, que neste momento já estava sentada pertíssimo do campo, desejava que um convite carioca saísse da boca de um deles:
– Ai óh, você joga?
– Jogo, posso não estar ao vosso nível, mas sim jogo. – Respondi envergonhada.
– Portuguesa! Vem daí!
O sorriso não me cabia na boca. O jogo começou e mesmo que parecesse a mascote da equipa, dei o meu melhor. O primeiro estoiro que se ouviu foi contra mim. O adversário rematou, defendi em manchete e todo o meu corpo pareceu sofrer um choque elétrico. A jogada continuou e marcámos ponto. Aquilo doeu. Em pensamento gritei todas as asneiras que sabia. Quis esfregar os antebraços vermelhos e atirar-me para o chão. Mas nem sequer pestanejei, mantive a minha poker face. Todas as outras que se seguiram já não doeram, aliás, quando o jogo terminou dei graças por nenhuma bojarda me ter partido os dentes da frente:
– Portuga, amanhã na mesma hora?
Sorri. No dia seguinte, à mesma hora, estaria a sobrevoar o Atlântico. Acrescentei “jogar voleibol em Copacabana, com quarentões de sunga” à lista de planos da Elsa.
Foi a custo que me despedi das amizades que fiz e refortaleci, da cidade, do calor, do cheiro a mandioca, feijão e banana frita. Sei hoje o quanto dói partir, ver os nossos partir, ter que ficar e ver os nossos ficarem. No entanto, quando cabisbaixa esperava na fila de embarque, algo mudou o meu humor: Tiago Saca e Frederico Morais atrás de mim. Só os reconheci porque o meu pai faz questão de partilhar as novidades desportivas portuguesas comigo. Vi o Saca, o guru do surf português, na TV vezes suficientes para o reconhecer. Perdi a vergonha e pedi um registo fotográfico, para euforicamente mostrar ao meu pai.
Rio de Janeiro, até já.
“Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar”
5 Comments
Parabéns, pela bela forma que escreves, e fazes com que leitoras como eu, fixe o olhar nas tua bela escrita… continua assim 🙂 ADORO
Um dia também vou à cidade maravilhosa, um desejo muito grande! Adorei, como sempre!
Grande aventura 🤗 como eu gostava de fazer viagens assim! Mas vou fazer, um dia, com toda a certeza ❤️❤️
Essa miuda é Linda…. Uooooh
Parabéns pelo maravilhoso texto. É delicioso de se ler. Continua!!!! Beijinhos e obrigada por partilhares a tua energia positiva!!