Reza a lenda que o mar de Porto Covo esconde as cartas de um amor proibido. Um amor de um jovem Vizir e de uma Donzela, que nasceu pelo bordado de um lenço, cresceu na audácia e coragem, e foi morto pela cegueira do poder.

Almir e Eleonor viram o seu amor trespassado pela espada do Sultão, pai da amada, que desaprovou o romance e tirou a vida à própria filha.

Almir, o Vizir viúvo de paixão, desertou a corte e rumou a Porto Covo. Onde todos os dias honrou a sua amada com uma carta de amor, escrita e deitada ao mar. Almir não mais abandonou Porto Covo, e nesta costa honrasse-lhe a lealdade deste amado.

A Costa do Vizir, nasce da magia de um lusitano amor proibido.

É envolta nesta história de amor que me recebem no Costa do Vizir Camping.

Um parque de campismo que balança, pelos lenços coloridos, as influências árabes predominantes no Alentejo. Uma vila de tendas, caravanas, casas, bungalows e apartamentos que me fez crer estar dentro de um castelo. Que me fez crer donzela.

Há quadros de amor nas paredes, há linhas retas em azul turquesa, há chão de madeira, portas vermelhas, janelas brancas e rama verde. Há fruta fresca, sumos de polpa, manhãs reluzentes e noites estreladas. Há sorrisos genuínos em quem acomoda, há simplicidade nas palavras, falas bem-intencionadas e vontade de ajudar.

Empurro a porta vermelha de entrada e vejo um saco de boas-vindas, desmaiado no sofá escuro. Apalpo uma caneta, desdobro uma t-shirt e estendo a toalha ilustrada com a Eleonor, o Almir e as cartas de amor nunca lidas. Sorrio, quem me conhece sabe o quanto apaixonada sou por romances históricos.

Talvez eles também soubessem, ou talvez seja esta uma bonita coincidência.

Acomodamo-nos, despimos as pernas, aconchegamos as costas com um agasalho e rumámos à praia Grande. A poucas dezenas de metros do parque do Vizir. Saltam as caricas das Somersby, soam as pequenas colunas e atentamos no pôr-do-sol. Num entusiasmado tripartido.

De baterias carregadas, acordo sem despertador e corro as cortinas leves e listadas.

De trouxas endireitadas seguimos para a praia dos Buizinhos, e assim que avistei o fundo do areal a memória translucidou.

Um filme de imagens infantis e sons antigos inundaram-me o pensamento. Era claro, como a água que vejo, que já aqui havia estado num outro dia da minha vida.

Noutro dia, há vinte e três anos.

Engraçado como a memória viaja longe.

O areal é curto, recheado de conchas, lapas e pedras coloridas. Do mar emergem rochas gigantes e palcos de encosta desvendados pela maré que vaza. O mar é limpo, claro, frio e tentador. Movida pela curiosidade me lanço, calcando pedras aguçadas e cobertas de algas. Mesmo com a sola dos pés em ferida e doridas, explorei. E que paz é estar afastada da multidão de Verão e estar só rodeada de mar, rocha e sol.

O sol… quente e esplendoroso, o calor de Porto Côvo!

Quando as costas cansaram de deitar, abalámos para marcar presença na praia da Samoqueira e dar o dia por terminado na praia da Cerca Nova. E é nesta última, que descobrimos o tesouro de Porto Côvo. Talvez cada visitante encontre diferente e o seu, mas este foi o nosso. Um areal que fica nu ao fim-de-tarde, recortado em formas abstratas e contornado por altas encostas amareladas. Há uma rocha atrevida centrada no meio destas areias. E nós cumprimos o ritual. Sentadas juntas, com a música serena a dançar pela brisa de fim de tarde. Com uma praia só nossa, aguardámos pelo pouso do sol e quando a bola laranja se incendiou no mar, os meus olhos verteram.

A felicidade de estar viva e ali, com amizades que trago há mais de uma década. E mesmo com os anos de amizade cravados nos abraços, nunca antes havíamos assistido a este feito juntas.

Obrigada também por isto, Porto Covo.

A lua quarto crescente ganha relevo no céu gradualmente azul, acompanhada pela estrela mais brilhante de todo o espaço.

No ar, o cheiro a feno e a lavanda.

Nos pés, colagens de todos os pedaços de pedras que querem sair de casa.

Na pele, o gosto do sal.

Na alma, o desgosto da passagem rápida destes dias de viagem.

Na despedida há desejo de haver mais dias. De mais um pequeno-almoço colorido, de mais um almoço piscatório e de mais um jantar de Verão com tempero a férias.

Despedem-se de nós com um brilho no olhar e um convite para voltar. E voltamos, um dia.

Para rever o amor do Vizir que dá vida e magia a este parque, recatado e de caminhos traçados para as praias e a vila.

Porto Covo, vinte e três anos depois, obrigada pela mesma liberdade na alma.

Obrigada, Costa do Vizir Camping. Por me relembrares este pedaço de paraíso, me trazeres Portugal e de me deixares ser eu.

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