Se, como por magia, aparecesse no reflexo do espelho do meu quarto em 2010, daria alguns conselhos àquela miúda. Sem que esses mudassem o rumo da década, sem eliminar ou acrescentar vidas.
À miúda de vinte anos, que estudava à noite, trabalhava de dia e dançava aos sábados, dir-lhe-ia para não ter pressa. Para nada. Nem para amar, casar, trabalhar, viajar ou viver. A pressa é inimiga da vida. Já traçada e escrita nas estrelas. Fazia-a ver que os seus olhos são tão mais bonitos secos e despidos, que o sorriso dela afasta a chuva, traz o sol e por isso não o deve tapar com as mãos. Dir-lhe-ia que o amor não é correria ou prisão, traição ou má vontade. E que ninguém deve esperar pelo amor do outro. Ou exigir amor, mudar o amor, aceitar que não merece amor. Mesmo que doa e pareça lenda, a visão e crença que ela tinha do amor é válida até ao fim de todas as nossas décadas. Aconselharia que há paixões de sete anos, de dez meses e de quinze minutos. E que não há vulgaridade ou maldade nisso. Que não há qualquer problema em gostar de alguém e não se ser correspondido. Sem que isso seja sinal de se ser menos ou insuficiente.
Nestes dez anos, aprendi que não há dor que o tempo esqueça e que o corpo se habitua à perda de quem morreu ou de quem ainda vive. Mas já não está. Que não há amor mais puro que os dos pais, mesmo que fisicamente não os veja. Aprendi que posso conquistar o mundo, com garra e sabedoria, e que a nossa criatividade vai além fronteiras e é ilimitada. Aprendi que as pessoas vão e vêm, vão e não voltam e que eu também não voltaria para quem sempre dei como certo. Que as pessoas erram e magoam, pedem desculpa ou não, e não há que guardar rancor ou ódio de ninguém. Somos todos humanos e a vida corre rápido.
Nesta década, senti a saudade, a perda, a luta e a felicidade pura. Ganhei e perdi mundos. Chorei mais que em bebé, cresci muito mais do que os meus ossos permitiram, desci ao fundo do poço e subi aos céus. Emigrei, cresci e encontrei-me, num lugar tão longínquo. Senti o que é amar sem medos, desconfianças e preconceitos. Tanto amor foi só possível, porque me comecei a amar também. Por ventura, tenha demorado demasiado tempo e aprendido da pior maneira. Contudo, mantenho a palavra, não mudaria nada. As misérias e mazelas trazem-me aqui. Aprendi com os erros e só lamento a dor que provoquei a outros:
“Miúda do reflexo no espelho, vai ficar tudo bem. O dinheiro vai e vem. Os sonhos são válidos. As viagens são memórias para a vida e quem te quer bem não vai longe. Quem mal te quer, quem te quer só pela metade, quem não sabe se te quer, vai embora. E é verdade… para cada panela há um testo. E por isso é mentira, quando te disseram que não encontrarias ninguém que te aturasse”.
Limpava-lhe o eyeliner preto, soltava-lhe o cabelo, acariciava-lhe as maçãs do rosto e sussurrava-lhe: “obrigada pela inocência. Obrigada por nos fazeres mulher.”
2009-2019
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