Estava no path (metro que faz ligação de/para Nova Jersey) a caminho de Nova Iorque, quando descobri um papel amassado no bolso do casaco. Desdobrei o escrito, com jeitinho, e sorri. A caligrafia trémula deixava ler:
– Trabalhar em Nova Iorque.
– Continuar a dançar.
– Melhorar o inglês, escrito e falado, a 100%.
Sorri porque escrevi as minhas metas antes de deixar Portugal, num talão que estava perdido na carteira. Sorri porque as cumpri, todas.
Deixei Portugal há 20 meses. Vários foram os motivos que me levaram a encher a grande mala cor-de-rosa, a despedir-me de quem amo e a embarcar. Entre eles o mais importante de todos… a minha felicidade. Eu não estava ou era feliz. Não me sentia profissionalmente realizada. A dança, escapes e viagens já não preenchiam o vazio que me deteriorava.
Na gaveta da mesa-de-cabeceira estava o meu passaporte americano. Na minha alma estava a curiosidade de conhecer o outro mundo. Na cabeça, a certeza que poderia construir o meu futuro, a minha carreira, mesmo que nunca me tivessem dado a oportunidade na área. (Podes dizer que tive azar ou que não procurei devidamente… Contudo, não sou a única imigrante portuguesa a deixar o país por falta de oportunidades profissionais). Enquanto se discutiam pormenores o tempo passava, a frustração aumentava e o sorriso que me estampava o rosto desaparecia.
Perdi-me em esperanças e promessas. E num qualquer dia mudei de rota.
Em Dezembro de 2015 decidi que imigraria para os EUA. Preparei um discurso curto, frontal e decidido. A família foi o primeiro alvo, depois as amigas e amigos e por último as três entidades que me empregavam. Ninguém me desencorajou. Ninguém. E isto é amor. É deixar voar, deixar ir quando alguém que amamos luta por eles.
Quatro meses depois embarcava para os EUA. Despedi-me de todos. TODOS! Mesmo que eles não quisessem despedidas ou o “último” abraço. A verdade é que não sabia quando os voltaria a ver. (Nem eu nem tu, ninguém sabe quando é a última vez que vemos, abraçamos ou beijamos alguém.) Por isso fui egoísta, não me importei com as lágrimas e tristezas que me pesavam a alma e acobardavam quem me amava. Fiz aquilo que me deu conforto, mesmo que tenha sido difícil e terrivelmente doloroso.
Fiz circular três diários, que amigos e familiares preencheram com mensagens, dedicatórias e fotografias. Pedi que escrevessem algo que me acalmasse o coração, quando a saudade me deixasse desamparada. No indicador direito coloquei um anel que simboliza a amizade. Ao pescoço pendurei dois colares que os meus pais me deram. Não me separo destes ornamentos por nada. E se por algum motivo os retiro sinto-me nua e desamparada. A verdade é que abrando quando rodo o anel e sinto os meus pais perto quando seguro nos pendentes. Cada um com as suas manhas.
A mala cor-de-rosa, os diários, os ornamentos e eu embarcámos numa viagem incerta, assustadora e sem regresso. Movida por uma coragem que desconhecia e por um pressentimento incompreensível. Enquanto aguardava a descolagem, rabisquei num talão o que lá queria conquistar e guardei no bolso direito do casaco.
Nos EUA fui acolhida pelos os meus tios e primos que me acomodaram, ajudaram e a quem devo todo o sucesso desta jornada. Comecei a trabalhar como bartender, sem experiência prévia e com o Inglês enferrujado. Aprendi o fundamental em duas semanas, esclareci as dúvidas que surgiam e pesquisei no Google o que não sabia. Várias foram as vezes que fiz de conta que sabia o que me pediam, mesmo que nunca tivesse ouvido aquela palavra na vida. Aqui falam o inglês que se ouve nos filmes, mas sem legendas. Falam rápido, usam calão, diminutivos e expressões típicas.
Na primeira noite como bartender trouxe para casa $300 em gorjeta. Sentei-me na cama a endireitar as notas, coloquei todo dinheiro em dois envelopes e enviei para Portugal.
Nove meses trabalhei no bar e depois de dezenas de currículos enviados, consegui trabalho como assistente numa empresa imobiliária, em Jersey City. Esta profissão permitiu-me desenvolver uma linguagem profissional, cuidada e específica. Comprometi-me a dar o meu melhor, a mostrar que era capaz e estudada. Meses depois a empresa fez parceria com um empresário, dono de vários edifícios, e aumentámos o escritório. Fui promovida e aumentada quatro meses após contratada. O que me permitiu comprar um carro e alugar um apartamento para viver sozinha.
O meu trabalho consistia em dar apoio total a todos os nossos inquilinos, 110 no total, promover ações de marketing, organização de eventos e publicitar os quartos disponíveis para arrendamento. Consegui demonstrar a minha criatividade, versatilidade e responsabilidade. Ganhei experiência, numa oportunidade nunca antes proporcionada. E estava feliz, até que a parceria se desfez. A companhia que me havia contratado deixou de existir e eu fiquei desempregada, por um dia.
Na verdade, todo o trabalho desenvolvido deixou rastro. As horas intermináveis, o sacrifício de trabalhar no dia de Natal e as emergências que me deixaram sem dormir, valeram a pena. Quando a parceria se desfez o empresário contactou-me e fui contratada por uma empresa de Nova Iorque. Com a mesma posição, responsabilidades e salário anteriores. Posso ainda trabalhar de casa ou onde me apetecer, desde que o trabalho seja feito.
Da janela do nosso escritório vejo o Empire State Building. Sorrio, olho para o céu e seguro nos colares que me enfeitam o pescoço.
Hoje sou feliz. Aqui muito longe, mas bem mais perto de mim. E quando chegar a hora volto, porque agora estou pronta para voltar.
3 Comments
You should be very proud of yourself!!!Lots of accomplishments in a very short time.
Eu sabia que ia adorar este post assim que o comecei a ler..
E isto tudo porque ADORAVA ser eu a escrevê-lo e que um dia essa história fosse a minha.. Pelo menos a parte que descreves quando ainda estavas em Portugal, bate tudo certo.
Enquanto isso não acontece, continuo aqui com a minha vida sem sentido, com o medo de arriscar, a falta de confiança para embarcar numa aventura dessas sozinha, e a “invejar” (completamente no bom sentido) essa coragem que tiveste e a vida que conseguiste alcançar (não que me pareça uma vida fácil e santa, mas porque também gostava de um dia me sentir reconhecida e realizada, de dar uma volta de 180º à minha vida, de me afastar de tudo o que me “prende” aqui e, principalmente, numa cidade como NY).
Espero que continues com essa sensação de felicidade por muito mais tempo 😉
Obrigada por partilhares isso connosco! 🙂
U-a-u.
Sou recém licenciada e já pensei muitas vezes em partir. Falta-me a coragem. Mas acompanhar-te tem sido inspirador, Quem sabe um dia ganhe a coragem que me tem faltado.