Despejou o que na alma lhe pesava. Eu bebia um copo de vinho enquanto a escutava. Quando pausou e aguardou conforto perguntei:

– Se todos saltassem de uma ponte, saltavas também?

– Não, obviamente. – afirmou aborrecida.

– Então porque é que a vida que tens não te é suficiente? Vives por ti ou para os outros?

Não me respondeu.

Morrer não é segredo.

Somos conscientes que a morte nos chega. É uma verdade adquirida. É uma verdade que esquecemos. Lembramos que estamos de passagem quando os nossos partem ou a tragédia ilustra a TV. Nos outros dias achamo-nos exclusivos e infinitos. Que a morte só leva os outros. Aliás, somos tão arrogantes que nos fazemos capazes de encomendar a morte pelo telefone, quando já estivermos fartos de viver.

Só vives uma vez. (Como cantam as Azucar Moreno em todos os casamentos, passagens de ano e festas pimba. Mas ninguém as escuta).

Damo-nos ao luxo de deixar para amanhã. De não vivermos à nossa maneira porque quem nos rodeia não vive assim. Há os que vivem como querem e mesmo assim não se sentem realizados. Não que lhes falte saúde. Mas porque estão solteiros, porque não têm filhos, porque não são o que se imaginaram ser com a idade que têm.
Uma mulher solteira aos trinta? Bandeira vermelha. Uma trintona deverá pelo menos namorar e mesmo que não seja feliz que o mantenha. Já se notam as rugas, já começou a luta contra a gravidade e já se esquecem os detalhes. 2018, eu sei. Já se ouve menos, mas ainda há quem o pense e não o diga. Ser-se sincero é perigoso. Frontalidade em hasta pública ou escrito dá em processo. Honestidade só nas costas e partilhado com amigos e garrafas de vinho. Eu sei isto, porque o ouvi e presenciei. A hipocrisia de fato e gravata.

Ser só profissionalmente bem-sucedida, sem a casa, o cão, os filhos, o marido e as marmitas no frigorífico, não chega. Tens a saia de lápis engomada, mas não tens o resto. O resto, aquilo que toda a gente, para ser alguém na vida, tem que ter sabes? Tens a casa grande, mas vazia. Tens um corpo definido, mas não tens aliança no dedo. Tens o cabelo arranjado, as unhas com verniz transparente mas as tatuagens escondidas. Tens o trabalho de sonho, mas viajas sozinha. És independente, mas não és suficiente.

Saltemos todos da mesma ponte então?

Vamos tentar outra vez.

Tu és suficiente. Sempre. Mil vezes suficiente!

És suficiente se fores feliz. Com a tua mansão alugada, o cão desobediente e peludo, com o teu cabelo azul, com dezenas de tatuagens e piercings. Com o teu currículo pouco variado, com vontade de suceder, com a cama vazia, com a mente estável e com bondade no coração. És suficiente porque não enganas os outros, ou a ti. Porque não casaste por obrigação e porque não eras feliz. Porque beijaste uma outra mulher porque tinhas curiosidade. Porque és homem que partilhas a casa e a vida com outro homem que te ama. Porque és tu, original e finito.

Tu bastas, quando a ti te completas. Não aos outros, não à média, não à sociedade mas a ti. Levanta a cabeça e afirma o que és com orgulho. Tu és o que escolhes ser para ti. E quando te descobrires sê a tua melhor versão. Quem te julga e critica está sentado no sofá, a assistir a vida perfeita dos outros na TV. Há espera que o telefone toque para morrer.

Vive por ti.

Vive uma vida completa e livre.

Vive tão intensamente que quando o dia chegar terás a sorte de estar pronto.

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2 Comments

  1. Tipo! U-a-u! Consegues pôr-me sempre a refletir e com mais vontade de escrever também. Inspiras-me porque me identifico muito contigo.
    Todos os dias tento ser melhor. Todos os dias luto por ser uma versão melhor de mim. Visita o meu blog e vê o meu último post! Beijinhos

  2. “Vive tão intensamente que quando o dia chegar terás a sorte de estar pronto.”

    Não tenho mais nada a dizer, e sinceramente, será que é preciso?