Todas as cartas que me escreveste, todas li.
Tenho em mãos um tesouro de dezasseis anos e na alma memórias, tuas e nossas.
Tu e eu não estávamos destinados aos amores dos Romeus e Julietas. Não sei isto agora, que já não estás, sempre o soube e tu também. Quis o destino que nos quiséssemos amigos, para sempre. E foi mesmo para sempre, sei isto agora que já não estás.
Dezenas de cartas que de caneta em punho me escreveste, com quinze anos de idade…
Pois bem, quem te escreve agora sou eu.
Não tarde de mais, não com arrependimento, mas com pesar e dor. Foste a única pessoa neste planeta a cortejar-me com lealdade e sem cobrança. E por isso, obrigada.
Não por me bajulares, mas por me ensinares que um adolescente pode amar tão, ou mais, intensamente como um adulto que sabe tudo da vida. Obrigada!
Tenho em mãos cartas velhas enlouquecidas de amor. Poemas que transbordam paixão, desejo e bem-querer. Tinhas quinze anos, criavas a tua própria poesia. E eu, que não me sabia amiga de poetas, nunca te soube poeta, amigo! Como poderia eu, uma miúda de treze anos, entender a tua linguagem do amor? Ah… dizem eles que as crianças nada sabem sobre o amor.
Hoje sei amigo, hoje que leio a tua alma com olhos que entendem.
Fui uma donzela cortejada por ti, às quartas-feiras de todas as semanas, durante três anos. Uma massagem semanal ao meu ego adolescente, onde os meus olhos, cabelo, sorriso e personalidade são euforicamente bajulados. Onde me comparas a rosas e malmequeres e a trevos de quatro-folhas. Onde dizes que a soma de todas as estrelas que conto no céu, são beijos que me mandas. Beijos que não podes dar e por isso escreves promessas. Promessas de beijos iluminados por eclipses lunares, promessas de que nunca iria encontrar um amor como o teu, infinitamente inocente e para toda a vida. Juras intensas e certezas de que havias nascido com o destino de me amar, e por isso agradeces aos meus pais por se unirem num grande amor e me fazerem nascer. Agradeces-lhes por ali me terem colocado, a umas quantas secretárias longe de ti.
Eu, pequena e morena, de olhos grandes e cabelo amalucado. Tu, de cara rosada e redondinha, de óculos gigantes e sinais vários. Nós, nas aulas de português e de teatro, nas viagens de estudo e nos passeios pelo colégio.
Há vários “AMO-TE” rabiscados em maiúsculas desniveladas, escritos a caneta azul clarinha. Em cada ponto final, da última estrofe dos teus poemas, há sombra. Sinto tristeza, solidão amarga e uma paixão condenada ao nada. Até revolta em amares desvairadamente e seres, conscientemente, não correspondido.
As férias de Verão eram o teu maior sofrimento. Os teus dias de angústia eram os meus mais felizes, os dias das férias grandes. Enquanto eu corria pela praia e mergulhava nas ondas do mar, tu contavas os dias no calendário para me veres novamente:
“Chegou a última semana de aulas e as saudades estão quase a chegar!”
(“As saudades estão quase a chegar!” … ainda hoje me fazes sorrir).
No entanto, mesmo em dor, não há uma carta que não comece com “espero que te tenhas divertido” e que termine com “ sê feliz, mereces muito”.
Não é isto o amor?! De querer o bem a alguém que não escolheu não corresponder a um amor de contos de fadas? Como eras capaz de sentir tão profundo carinho com quinze anos, sem nunca antes teres amado? Como eras capaz de demonstrar tanto respeito, consideração, maturidade e afecto?
Há poemas, há cartas explosivas de amor e encanto. Cartas aleatórias e com datas específicas…
Como o dia de São Valentim, que não chegava ao fim sem uma carta tua. E eu silenciosamente, esperava por ela. Como o dia do meu aniversário. E todos os anos, desde que nos conhecemos, até este ano, contra a tua vontade e a minha, nunca faltou uma mensagem. De amor e estima.
Não há, contudo, o último adeus. O adeus de crianças. Não há uma carta que anuncia a minha mudança de escola, a perda de contacto, a fenda. Talvez porque não tenha, emocionalmente, acontecido. Nem nesse tempo, nem durante, nem agora. Que já não estás.
Todas as cartas que me escreveste, eu todas li e guardei. Ainda me fazem corar como uma miúda de treze anos.
Guardo-te comigo.
Tu e eu, amigo,algures por aí. Rodeados de palavras que trocámos e conectados em carinho para, o só meu agora, todo o sempre.
“Por hoje é tudo, próxima quarta há mais,
Sérgio.”

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1 Comment

  1. Sara Rosa

    Olá Michel, poderia não te dizer nada deste texto mas sinto-me responsável por fazê-lo. Convivi com o Sergio desde sempre e ainda hoje sei que ele está comigo todos os dias. Sabes, ele ainda nestes últimos dias falava de ti, da vossa paixão, de como se tinham conhecido e de como te cortejava. Falava do teatro e da sua eterna amada que tinha lançado um livro e que ele estava desejoso de conhecer. Felizmente quis a vida, ou Alguém que ele te voltasse a ver ser feliz. No fundo era o fundamento da vida dele, ver os outros felizes.
    É difícil, muito difícil olhar para o telefone e nao ter nem chamadas nem mensagens, saber que le já nao está há distancia de um telefonema mas ao mesmo tempo é tão bom perceber que ele fez parte da minha/ nossa vida!