O telejornal ainda não havia começado quando nos sentámos à mesa. Alguma coisa não estava bem. Sentia-o e via-o, na cara amarelada e olhos cansados. Achei, achámos, normal. Na verdade havia já alguns poucos dias que ele se queixava da falta de apetite. Mas não queria ir ao médico, nem…
O maior desafio que reencontro no regresso a casa é a minha falta de compreensão/disponibilidade mental para quem, na ponta da língua, traz a opinião não solicitada e o negativismo. Esta realidade não é novidade, mas cinco verões emigrada, ocupada a beber de outra cultura e formas de estar na…
Aterrei em Newark a 11 de Abril de 2016, às 17h00. Terça-feira. Vi Nova Iorque do outro lado do rio. Altiva, magnífica, tão perto e ainda inalcançável. Na sexta-feira atravessámos o rio, vimos os Rapters jogar no Barclays Center e pisei Times Square pela primeira vez. Iluminada pelos grandes ecrãs,…
No dia que vim ao mundo, num bloco operatório americano, creio que dediquei o meu primeiro grito à minha mãe. Tenho em mim que sim. Gritei-lhe talvez por ter nascido de manhã e não de noite. Por ser dia vinte e sete e não vinte e nove. Por me terem…
Era uma vez, num mundo não tão distante como os contos que começam com “era uma vez”, que o desejo mais comumente rogado pela humanidade se concretizou. Os humanos, envoltos em nostalgia, perdiam-se de olhos postos no céu ou no chão, na nuca de alguém ou no animal de estimação,…
O corpo onde habito é, hoje, o meu sítio favorito. O templo onde encontro o silêncio e a tela que os outros veem. Hoje não desejo outro. Hoje aceito-o tão e qual como ele é, venerando cada relâmpago lilás nas pernas, as cascas de laranja, as sardas envergonhadas e as…
Quem fica? O que se diz? O que se faz? Quanto tempo até ficar mais fácil? Quantas vezes posso falar do vazio? Quantos dias dou à dor? Passamos o tempo a preparar-nos para a morte de alguém e esquecemos de nos preparar a nossa. O que acontece quando morremos ainda…
Se alguém um dia, de olhos postos no céu, desejou ou imaginou Nova Iorque sem turistas, 2020 é o ano que escutou. Há sete meses que um vírus, de nome COVID-19, amedronta grandes e pequenas cidades. Amedronta o mundo. E mesmo que eu lide com ele desde a viragem do…
Já algumas vezes, não tantas como agora, me perdi no labirinto criativo. Não por falta de ideias ou tão pouco por ideias que sobrem. Mas porque a prudência me assombrou. Sem precisar quando, a cautela pelo que o outro pensa, reage e como se manifesta, ganhou poder sobre a minha…
Quarenta e seis anos depois dos tanques, das solas militares e dos cravos nos canos das pistolas, fica o mundo em casa. A guerra faz-se entre paredes, as nossas, ornamentadas a nosso gosto e coloridas com a alma. Mesmo assim, insuportáveis. Uma casa cheia de humanos que escolhemos por amor,…