As tripas de chocolate.
As conchas de ovos-moles.
Os moliceiros.
O farol.
As casas às riscas.
Aveiro é uma cidade peculiar, com canais e barcos que lembram a Veneza dos filmes. Mas, os turistas assíduos que me perdoem… Ninguém conhece o distrito de Aveiro como quem lá vive. E mesmo quem a vê por satélite, ou pela janela de um avião, ninguém saberá Aveiro como quem a vê pelo guiador de uma bicicleta. Porque o guiador de uma bicicleta revela segredos não percetíveis pelo interior de um carro. Eu sei disso, os da terra também o sabem, os de fora não. Eles não fazem a mais pequena ideia.
Aveiro adotou-me após um nascimento além-mar, e desde cedo cuidou de mim. Ensinou-me a trocar o “v” pelo “b” e preparou-me para ser troçada, por todo um resto de um país. Que, claramente, não aprendeu o mesmo dialeto que ela educa.
Aprendi não só a pedalar, mas a pedalar contra o vento. Com lágrimas de vento a escorrer queixo abaixo. E isso é uma peripécia e dom. Através dos pedais da minha bicicleta azul, conheci esta cidade, à beira-mar plantada, iluminada por um farol que nunca dorme. Que cheira a mar, a vento, a peixe-fresco e a casa. A bicicleta de cesto, eu e os sonhos aveirenses a descer a ponte da Barra, com os braços abertos e as ancas a controlarem o equilíbrio. As nortadas que varrem os pensamentos e que empurram para o mar.
Aveiro, a cidade da alegria em forma humana.
Só quem cá vive sabe dos pores-de-sol majestosos, das percebes cravadas nas rochas e das navalhas escondidas na areia. Do chiar das gaivotas de bico amarelo, da espuma que delineia a costa, das ondas de respeito e da água fria. De onde se come o melhor marisco e das camarinhas rosa. Das tascas primorosas no paladar, dos tascos do álcool quase dado, da agenda das festas populares e das ruas da má vida.
Só quem é de Aveiro sabe o quanto custa pedalar a ponte da Barra, depois de um turno de 10h de papo para o ar na praia. O quanto dói levar com uma cavaca na cabeça. A intensidade com que o vento sopra e com que a areia chicoteia. O que se sente depois de correr as escadas em espiral do farol da Barra. De embarcar no Creoula e atracar em casa.
Oh, Aveiro. O que os outros não sabem.
As salinas que dão sombra às lagoas enquadradas.
Os jogos de futebol. O beira-mar. O Gafanha.
O Teatro.
O festival de bacalhau.
Os traçadinhos.
A Buga.
Os buracos no alcatrão.
Os autocarros velhos.
O parque da macaca.
Os atalhos que só quem bate perna conhece.
Os trajados da UA.
O cortejo dos reis.
A praça aos sábados.
As noitadas que ninguém vê.
A polícia na rotunda do Fórum.
Oh Aveiro, como tu não há outra! Que amor eterno e doentio por ti nutro!
Revejo-te brevemente.
3 Comments
Nice !!! Logo vou conhecer Aveiro e te dou minha opiniao 😉! Hehe
Belas palavras e tantas verdades!
Aveiro é isso mesmo!
Beijinhos e Muito sucesso !
Agora fiquei com saudades de casa. Aveiro vai ser sempre a minha casa, mesmo estando do outro lado do oceano. Saudades de tudo menos dos traçadinhos 😂