– Vão chamá-la Carolina.
Abracei aquela barriga desde que soube que lá moravas. Não me convocaram para escolher o teu nome, mas se tivessem tinha sugerido Mulan, Ariel ou outro nome de princesa da Disney. Tinha apenas sete anos.
Quando nasceste, peguei-te a medo, nunca havia segurado nada tão precioso quanto tu. Naquele momento, tinha nas mãos a vida de todos nós. E quando os teus olhos, pestanudos, lacraram nos meus, soube que era tua para sempre.
Em 1998, a copa do mundo animava o Verão e o Ricky Martin contagiava com o hino musical, “La Copa de la vida”. Esta foi a primeira música que cantaste e dançaste, de fraldas em cima da cama, com os canudos castanhos e a pança a balançar.
Ensinei-te a dobrar os panos de cozinha e a apertar os sapatos, com a técnica dos lacinhos. Nunca soube atar de outra forma. Sempre que ficávamos em casa sozinhas, trazia o taco de basebol para o nosso lado e os três assistíamos aos desenhos animados. Não o saberia usar, se necessário, mas queria que te sentisses protegida. Sentia-me uma gigante a teu lado e ninguém te poderia magoar sem que me destruíssem primeiro.
Mas fui apanhada desprevenida.
Numa noite fria de Inverno, as luzes azuis e brancas da ambulância iluminava-nos o rosto. Do último quarto, ouviu-se um grito e um choro aterrorizante. Olhavas-me assustada. Pairávamos no corredor, duas crianças de seis e treze anos, quando o anjo da morte da nossa casa saiu. Segurei-te pela mão, corri para o meu quarto e ajoelhámo-nos. Rezávamos para que a avó não se perdesse no caminho para o céu. Chorei até me faltar o ar e tu abraçaste-me, com as tuas pequenas mãos cheias de amor. Prometi-me nunca mais baixar a guarda à tua frente.
Mas menti.
Na dor crescemos juntas e como adolescentes partilhámos memórias inacreditáveis. As sessões fotográficas, as trocas de roupa e as maratonas, anuais, de Harry Potter são ainda atividades frequentes. E nem as nossas diferenças nos separam. Eu falo pelos cotovelos, tu és introvertida. Tu és uma Master Chef, eu cozinho por obrigação. Eu invento jogos para nos ocupar e tu alinhas sempre. Mesmo que revires os olhos e questiones como sou sete anos mais velha e sete vezes mais louca.
Ver-te crescer é estranhamente agradável. Trocaste o biberão por um copo de Gin. Deste para adoção a barbie mergulhadora, os The Sims e os Teletubbies. Foste fã dos Morangos com Açúcar, Hannah Montana, Twilight e 50 Sombras de Grey. (Confesso que fiquei constrangida quando assistimos, no cinema, ao Sr. Grey a fazer das suas). Porém, mesmo que cresças, todos os teus namorados vão ser, simpaticamente, ameaçados por mim. É difícil alguém preencher os requisitos que elegi para ti. Então, deixemos isso a teu critério.
Já nos magoámos uma à outra, apesar de tudo somos irmãs, às vezes lá calhou. A verdade é que protegemos tanto quem amamos dos outros que nos esquecemos de os prevenir do nosso mau-feitio. Mas a distância aproximou-nos e eliminou as mesquinhices.
Na nossa última despedida, o meu coração sentou-se ao fundo das costas a colar os pedaços em que se desfez. Prometi que não baixaria a guarda novamente, mas fizeste-me falhar. Estávamos na cozinha, sozinhas, eu sentada na banca de pedra e tu ao fogão, de colher de pau em punho, lembras-te? Deixava Portugal no dia seguinte, esperava-nos nove meses de distância. A única vez que estivemos separadas tanto tempo foi enquanto esperava que nascesses. A ansiedade fazia pesar o peito, os sorrisos eram forçados e os olhos evitavam contacto. Até que pousaste o que na mão tinhas, caminhaste na minha direção e enterraste a cabeça no meu peito. Choravas compulsivamente. Eu também. Durante largos minutos ouviram-se apenas silêncio e respirações ofegantes. Beijei-te a face e sussurrei:
– Está quase Carolina, prometo.
Não precisas de mais promessas falhadas. No entanto, sabe que a tua irmã do meio, a dos olhos grandes, aquela que te ensinou, distraiu e defendeu com um taco de basebol nunca vai desistir de ti. Quer estejas aí, sem mim, e eu aqui, muito aqui e muito sem ti.
4 Comments
É tão assim um irmão mais velho!! Ao ler palavra a palavra senti-me reencarnada nessa história, e não consegui controlar as lágrimas. Porque para nós serão sempre os nossos pequenos, os “nossos” e só “nossos” e é por isso viramos leoas quando alguém lança algo…. e babadas por cada sucesso!
Um escudo constante de defesa e um cartaz de anunciação nos êxitos!!!
Obrigado por este delicioso momento de nostálgia 🙂
Adorei !!!
Que palavras lindas para a tua irmã.
Adorei !!!
Que palavras lindas para a tua irmã.
Idenfico-me em tanto nas tuas palavras e por aquilo que vejo a tua ligação às manas é igual a minha com o meu mano. O amor ajuda tanto e tu transbordas de amor pela vida pelas pessoas que te pertencem. Alice vive mesmo num “pais” de maravilhas. Beijos miuda