– Escreve com calma, não apresses o livro. – Mas tenho que o terminar no fim de Abril! – Porquê? Porque te estás a pressionar? – Não sei… – Depressa e bem há pouco quem! Faz lá isso com tempo. – Está certo… Assim que o terminar envio-te uma cópia…
Uma casa desfeita, desprezada pelo rosto bonito do amor. Desejariam eles que os pratos e vasos fossem de plástico, por todas as vezes que o chão se cobriu de estilhaços de vidro. Naquela casa o amor e ódio andaram de mão dada, e eles também. Tinha dias. Conheceram-se na noite…
O menino que andava de mãos nos bolsos para arreliar os pais, o irmão calado, o marido sereno, o pai solidário e o avô disponível. É o culpado de elevar o meu conceito de Homem. De reconhecer um Homem, quando vejo um. Não se lhe contam histórias de vícios mundanos,…
O som do telefone ecoou, a horas impróprias, pelo corredor dos quartos. Os pratos lavados escorriam na banca, tínhamos acabado de jantar. Telefonemas depois do jantar, durante a semana, eram impróprios. Mas ela esperava-o, talvez fosse ele do outro lado da linha. A mãe atendeu e chamou-a. Ela pausou os LEGOS,…
Gostava eu de saber como afugentar a morte. Queria eu que os salpicos de água benta a assustassem, que uma ventoinha a soprasse para longe ou que uma vassourada nas costas a paralisasse e a fizesse demorar. Estou farta da morte. Estou farta que a morte ceife os meus mais…
Aglomero tudo o que me pertence e empilho num dos quartos. Ainda tenho tempo. Reparo que os ponteiros do relógio correm, mas adio o fazer da mala. Ainda tenho tempo. Encaixo os últimos beijos e abraços, desvalorizando em palavras a nostalgia da despedida. Mas quando nos apertamos forte, e em…
Posso eu deixar esta folha em branco, e ser este o meu luto. Posso eu escrever uma bíblia de palavras sofridas, descrever momentos dolorosos e ser este o meu luto. Posso eu só vestir preto, só amarelo, ou todas as cores ao mesmo tempo, e ser este o meu luto.…
Pontapeio uma pedra da calçada suja e fito o céu cinzento e anilado. Desacelero o passo quando calco a lista branca da passadeira e o meu olhar segue o táxi, veloz e amarelo, que me impede de ver o outro lado da rua. Atravesso o alcatrão da mesma forma como…
Falava da dor quando da dor nada sabia. Quando nunca antes havia sentido tamanho sofrimento. Quando desconhecia que a dor tem etapas e níveis, como os elevadores e as escadas. E falava eu sobre a dor… Como queria agora essa dor antiga que me fugiu. Escrevia sobre saudade, quando da…
A porta abriu. Vejo a carteira esquecida na estante, os óculos de ler abertos sob o teclado do computador e o casaco, de sair à rua, desmaiado no bengaleiro. O candeeiro de lava vermelha está desligado, a mini prancha de surf que lhe dei está fora do sítio e o…