Um dia, não quando fores velhinha e não a poucos anos de hoje, vais compreender, como quem descobre vestígios de pólvora num campo de batalha, tantas palavras que eu e outros, como eu, te dissemos.
Um dia vais lamentar o tempo que perdeste nas más decisões do teu inconsciente carente, por te achares imortal e dona do mundo, não só deste mas de todos. Vais desejar que os relógios andassem para trás e pudesses repartir o tempo mal gasto por pessoas, vivas ou mortas, que te amam, e por sítios, simples ou longe, que te davam casa.
Um dia vais finalmente distinguir o prazer momentâneo, de uma necessidade que camufla sentimentos tristes. Vais levar a mão à testa e vais gritar de revolta, porque de todas as rotinas saudáveis que podias ter adotado, escolheste o menos cansativo e mais nocivo. Que te tirou resistência física, te manchou os pulmões, te entupiu as vias, te secou a boca, feriu a língua e te arranhou a garganta. Que te tirou a juventude, a vida!
Fumar não é um hábito feliz…
Um dia sei que vais perceber que quando te dizíamos para não fumares, não te afrontávamos. Ou tão pouco nos achávamos melhores e mais sabichões que tu. Era porque exigíamos que te amasses tanto quanto nós te amamos. Era porque te queríamos saudável tantos anos quantos possíveis. Era porque nos cortava a alma, como quem corta os cantos da boca com uma folha de papel, quando descobrimos as beatas e os maços de tabaco vazios. Sempre que a tua roupa cheirava a fumo, o teu carro suava fumaça, o teu corpo fumegava e que os teus abraços esfumaçavam.
A tua alma está repleta de dúvidas e falsas esperanças, eu vejo-as. Vejo também que a única luz que diariamente acendes em ti é a chama do isqueiro. O único dinheiro que gastas, diariamente, em ti é nas máquinas tabaqueiras. O único tempo livre em que te crês sozinha, nunca o estás. A vitória, o sofrimento, o stress, a rejeição, a mesquinhez, a irreflexão, as derrotas, principalmente as derrotas, são estímulo e desculpa para o não desmame. Como se o inalar do fumo preto trouxesse luz às sombras e respostas não mudas.
Deixas que as lágrimas sequem com o fumo que pela boca sopras. Adias as verdades, como se soubesses do futuro.
Um dia vais entender que não nos ouviste.
Não a mim, não aos outros como eu, nem aos professores ou às imagens pavorosas estampadas nos pacotes de cigarros. Ouves outros como tu, que dizem que lhes sabe bem, que é um prazer inigualável, que o dinheiro é teu, que a vida é tua e que só deixas de fumar quando bem te apetecer. Quando te der na real gana…
Nessas palavras egoístas te iludes e dás-me ganas de ser igualmente egoísta. Vontade me dás de te amar menos, por cada vez que acenderes um cigarro. Porque tal como a Billie Eilish canta: “eu não posso dar-me ao luxo de amar alguém que não está a morrer por engano”.
Não no dia em que acusares um saqueador inocente, vais entender que o ladrão do teu tempo foste tu. Que foste tu que o queimaste por fraqueza de espírito. Só tu, sem que mais ninguém seja merecedor de culpas.
Foste tu.
Agora, és tu também. Mas só um dia, quando não fores velhinha e não a pouco anos de hoje, vais entender.
Só espero, do fundo do meu pequeno ser, que não seja tarde de mais. Que não vires uma daquelas imagens que ilustram os pacotes da morte e que não sejas tu a ditar a tua morte.
Eu, e tantos outros como eu, oferecemos no conselho o amor de uma vida. E até que o ar nos falte, não faltará a voz da razão.
Em nós, em mim e a tantos outros, fica a esperança que esse um dia seja hoje.
Quem sabe, não é já hoje que mudas a tua vida para melhor.
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