Adivinhava-se um dia de praia tranquilo no Caribe. O mar estava chão, aparentemente inofensivo, apesar da bandeira vermelha que ao longe se avistava. A Van e eu descansávamos à sombra de uma palmeira, escondidas do sol que teimava em nos queimar a pele:

– Ayuda! Ayuda! – Surgiu uma voz aflita do mar.

Levantámo-nos de imediato. Duas meninas, um adolescente e um adulto lutavam contra um agueiro que os atraiçoou. Uma das crianças gritava tão alto que ecoava na praia. Um nadador-salvador corria para o mar e uma senhora, de grande estatura, lançava-se desesperada para a água. Era a mãe, dos três menores.

O meu coração disparou, o sangue fervilhou e sem pés de pato, torpedo ou formação corri e mergulhei. Nadei até ao grupo, o nadador-salvador encarou-me com desconfiança mas aceitou a ajuda. Naquele momento fiz uma escolha. Realisticamente, não tinha equipamento ou porte para salvar o adulto e a mãe (que também lá ficou). O adolescente ajudava uma das crianças e a menina que chorava, histericamente, estava já agarrada ao torpedo. Instintivamente segurei a lateral da bóia e nadei, tentando acalmar a criança e ajudando o salva-vidas:

– Tens pé? – Perguntou-me, após nadarmos um bom pedaço.

– Sim.

– Cuida dela. – Entregou-me a pequena morena e voltou para os outros.

Menti. Eu não tinha pé, só o dedo grande tocava na areia. A menina agarrou-se com força ao meu pescoço. Perdi o fôlego, mas não as forças. Ganhei balanço, assentei os pés no chão e avistei dois salva-vidas a saltarem para o mar:

– Como te chamas? – Perguntei-lhe sorrindo.

– Esmeralda – Respondeu a chorar, na pausa dos gritos pela mãe.

– Oh meu amor, está tudo bem. A mãe está quase aqui, olha! – apontei.

A Esmeralda, morena de olhos verdes, tinha oito anos. Entrelaçou as pernas na minha cintura, cravou as unhas no meu pescoço e deitou a cabeça no meu ombro. Eu, uma completa desconhecida.

Subitamente começou a tossir, a inclinar a cabeça para trás e a piscar lentamente os olhos. Estava exausta. Peguei-a ao colo, as pernas adormecidas sob o meu braço direito e o dorso no esquerdo. Mirava-me enquanto respirava ofegantemente:

– Vamos respirar juntas, pode ser? Faz como eu.

Inspirámos e expirámos até que aqueles olhos verdes, lavados em sal e lágrimas, acalmaram. Não nos parámos de olhar até que mãe se aproximou:

– Gracias mi vida! Gracias! – disse aliviada e cansada.

Assim que a voz da mãe lhe entrou pelos ouvidos, a menina saltou-me dos braços. E eu deixei de existir, como se tivesse sido um anjo ou uma aparição.

Vi todos os protagonistas deste momento sair do mar, respirei fundo:

– Acho que encontraste a tua vocação! Tens que tirar o curso – ouvi a Van do meu lado.

– Eu tenho é que ir dormir! – Rimos as duas e estatelámo-nos na areia.

Não sei o que me fez correr para o mar, mas ser espectadora não era opção. Nunca foi. O meu pai, outrora militar, incutiu-me a coragem para salvar vidas. Ninguém fica para trás. Um ex-amor havia sido nadador-salvador. Várias vezes me descreveu os seus salvamentos e técnicas usadas. Talvez tenha sido tudo isto, incutido no meu inconsciente, que me levou a agir sem medos. E nem o facto de já quase me ter afogado, duas vezes, me afrontou.

 

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