Quarenta e seis anos depois dos tanques, das solas militares e dos cravos nos canos das pistolas, fica o mundo em casa.
A guerra faz-se entre paredes, as nossas, ornamentadas a nosso gosto e coloridas com a alma. Mesmo assim, insuportáveis.
Uma casa cheia de humanos que escolhemos por amor, dizem os felizardos. Outras vazias, por escolha ou infortúnio. Outras onde o ódio escorre pelas paredes, se fecha em punhos e nasce em pisaduras. Outras onde, finalmente, se vive o tempo.
O inimigo tem dois soldados, a nossa mente e o nosso irmão e não sairemos vivos se lutarmos com o ego e não com liberdade. Não a nossa, mas a do outro. Sentenciar alguém à morte não nos faz livres.
Agora, que há tempo para olhar o céu, para contar as estrelas e encher o peito de ar puro… Agora que somos todos imigrantes habitacionais saudosos. Agora que somos iguais na falta de liberdade, que nos encontramos na ansiedade, no medo, na sombra e na incerteza… agora que não há abraços, que no olhar há desconfiança e desconforto, que não se vê o bicho nem os carros topo de gama (que assim como os carrinhos de mãos, descansam nas garagens).
Agora, que haja luz.
Agora, sejamos luz!
E compaixão, e simpatia, valentia, força e solidariedade. Que sejamos mais humanos, sabedores e conscientes. Afinal, somos livres. E eu só escrevo porque alguém lutou pela liberdade na ponta da minha língua e caneta.
Então sejamos, LIVRES! A provar saber o que é ser isso em tempos pandémicos, onde somos heróis ao lavar as mãos. Livres, como nos permitiram ser, como nos continuamos a permitir ser.
Sejamos crianças graúdas em recreio, a brincar aos berlindes com a nossa alma e a ouvir-nos. Todo o tempo do mundo é insuficiente para isso.
E na sombra, o amor.
que haja amor.
hoje, mais do que qualquer outro dia.
muito amor.
pelo o outro, por nós, pelo país e pelo mundo. por todas as cores, etnias, sexos, géneros e idades. amor sem toque, gesticulado à distância, reconhecido na voz e humedecido no rosto. hoje, mais do que qualquer outro dia, que haja amor.
E quando ficar tudo bem, que não volte o desamor.
Vai ficar tudo bem.
3 Comments
Que texto lindo!!!! Escreves tão bem e fazes com que eu seja tão feliz a ler os teus textos. Só quero dizer…. Obrigada
Ana, obrigada. É bom voltar a casa ♥️
Michelle, ler estas palavras é como ouvir sair da tua própria boca.
Obrigada por este texto , nele tu unes dois momentos da história da nossa vida – um em que conquistamos a liberdade e outro em que devemos aproveitar para repensar como a usar!