Estás a dormir, são dez e meia da noite. Gostas de já estar a dormir a esta hora.
Aos meus pés ou a meu lado, sempre por perto para que me sintas respirar. Vejo-te abanar a cauda enquanto dormes, espero que seja comigo com quem sonhas. Que me reconheças o rosto, os nomes estranhos que te chamo e as brincadeiras com que vemos o tempo passar. Espero que seja eu quem te faz abanar a cauda, a ti que dormes profundamente.
No oscilar sonolento aprecio os teus cílios brancos, as partes rosadas do teu focinho e o nariz humedecido. És tão bonito, Hazel. Soubesses tu o tempo que por ti esperei. Que a tua vinda foi desejada e planeada ao pormenor, e que já existias nas páginas do meu livro antes de vires ao mundo. Mas só agora consegui dar-te a vida livre e espaçosa que um dia sonhei para nós. E mesmo que sinta que a parte da liberdade me escapou pelos dedos, não sinto saudade dessa vida sem ti. Sei que com o tempo seremos livres a dois, companheiros de viagem, amigos e porto seguro. Na verdade, já o és.
Há três anos que a morte me assombra a mente e deprime o meu lado feliz. No início o medo apanhava-me à noite, no escuro. Fazia-me acender as luzes e dormir sem paz. Depois mudou de turnos, começou a aparecer mal abrisse os olhos. Uns dias desaparecia, como quem vai para o trabalho e regressa à noite, outros dias ficava em casa de folga. E comigo.
Desde que chegaste que o medo da morte fugiu. Afugentaste-o com a tua energia, inocência e casmurrice. Fazes-me crer, ainda mais, que o amor cura. Obrigada! Não foi por isso que te fui buscar, não sabia desse teu poder e seria egoísmo meu trazer-te para a minha vida com o intuito que a tornasses melhor. Que a resolvesses. Teria sido também egoísmo meu ter-te trazido para a minha vida numa outra qualquer altura que não esta. Agora estou preparada para te dar a vida que mereces. A atenção que exiges. O amor incondicional que precisas. O espaço que qualquer cão gostaria de ter. Agora consigo dar-te tudo isto e tudo o resto que me ensinarás que precisas.
A bonita sensação de receber algo em troca quando nada esperávamos, ou soubéssemos possível, é uma gratificante lição. Ensinas-me a ser paciente, todos os dias, qualidade que em mim não desenvolveu com a idade ou relacionamentos. Obrigada, outra vez.
As nossas manhãs são os meus momentos favoritos.
Estás já desperto quando acordo, às seis e meia da manhã. Esperas pelo meu bom dia sussurrado, como se soubesses que todas as vezes que me mexo na cama são voltas do sono. É o bom dia falado que te faz sair do ninho e a acordar as patas de trás. Lentamente marchas na direção da minha cara e besuntas-me de lambidelas que cheiram a bebé. Entre as lambidelas bocejas e emites um som agudo como quem ainda não dormiu o suficiente. Tentas subir para a cama, mas ainda não consegues. Com um impulso te trago para junto de mim, eufórico mordiscas-me o nariz e o queixo, pouco depois, e aninhados um no outro, adormecemos.
Fazes questão de nunca me deixar só, talvez tenhas tu medo da solidão.

És o único ser vivo que invade os maiores momentos da minha privacidade, e que eu permito sem contesto ou desconforto. Quando me sento na sanita, sentas-te no meio dos meus pés. Quando fecho as portas do duche, ficas confuso mas não arredas pé. (Ou pata). Quando me sento a comer, tu dormes uma sesta. Quando me deito na cama, tu sabes que o dia está a terminar. Tudo é feito a dois, ou por mim mas com a tua supervisão. Esperas o momento da brincadeira: o wrestling ou o busca! Até lá, tudo o que me cai no chão é teu. Até eu, que não te resisto ver-te aborrecidamente deitado e me atiro para o chão. Meias e cuecas são os teus pedaços de roupa favoritos, no entanto vais-me roubando as sapatilhas pelas atacas, os fios de apertar os calções, os carregadores e as pedras decorativas. Tudo é brinquedo!


Tomar banho não é a tua atividade favorita, mas por muitas atividades menos favoritas que façamos no teu olhar há alegria e amor. Ver-te crescer, a responder a comandos de voz, a compreender expressões faciais e a perder as feições de bebé é das maiores alegrias que a vida me deu. As noites mal dormidas já são passado, bem como as poças de xixi, o cocó inesperado e os chinelos roídos.
O amor que te tenho é imensurável, por isso te eternizo nas minhas palavras. Pelos sorrisos diários, obrigada. (Ainda hoje me fizeste rir quando trincaste a alface que trazia e ficaste com o lábio superior preso nos dentes).

Borreguinho, espera-te uma vida feliz e de aventura.

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2 Comments

  1. Gostei, mais uma vez, de ler um texto teu. Tens um jeito muito especial de escrever sobre coisas simples e pores nelas tanto sentimento.

  2. Bete Silverio

    Adorei cada palavra, cada frase, cada sentimento. Continua por favor 😃