South House, um dos que acolhe a Alice.
Escolho este bar para estar sozinha, porque me acolhe e me camufla.
Nós, um copo de vinho e uma árvore musical genealógica que nos observa. As paredes esbranquiçadas revestidas de arte, um ambiente tranquilo e a média luz. Abro a caneta, procuro uma folha em branco e desenho em palavras o que me roubou a atenção.
Um homem sentado ao balcão, que esconde a careca com uma boina verde tropa. A pele é escura como a roupa que veste. As meias enxadrezadas espreitam pelas calças curtas e usa óculos escuros. Mesmo que a luz seja mínima e escuro lá fora.
O jazz ecoa pelo espaço e ele marca as batidas com as mãos e com a cabeça, como se fossem extensões da sua alma. Como se a música lhe desse vida e forma. Vai dançando com a garrafa de cerveja, fazendo-a deslizar pelo balcão. Da mão esquerda para a direita, da mão direita para a esquerda.
O ritmo, musicalidade e alegria deste homem fazem-me pensar na sua história. A vida que poderá ter vivido, até estar sentado na minha frente. Ele num qualquer palco do mundo, com a sua cabeleira afro a colorir o ar. Uma cabeleira tão volumosa e encaracolada que não caberia, de forma alguma, na boina verde tropa. Imagino-o dividir um famoso palco com o Jimi Hendrix, a fazer a plateia vibrar e as miúdas gritar. Vejo-o também em digressão pelo país, na janela de um autocarro a marcar batidas imaginárias com a falange do indicador. A beber álcool escuro pelo gargalo de uma garrafa e a fumar coisas proibidas.
Ele pode ter sido alguém cuja carreira acabou cedo demais para ser reconhecido, mas cuja musicalidade não lhe abandonou as veias. Ou talvez nunca tenha subido a um palco. Ou saído da garagem da mãe. Ou o do recreio da escola. Ou dos seus sonhos e quimeras.
Ali ele estava sozinho. Sem passado ou futuro na memória, só o Jazz. Não procurava aprovação ou atenção, era só ele e a paixão pela música que ali tomavam uma cerveja gelada.
Ele e uma dança discreta, eu e um bloco de notas. Este homem, sem saber, fez-me o dia. Fez-me sorrir, pensar e criar. Preencheu-me o campo de visão e o pensamento. E enquanto ele bebia uma cerveja, dava de beber à minha criatividade.
Obrigada, John Doe.
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