Mudei de casa e o espírito da criatividade desceu sobre mim. Finalmente ia viver sozinha, com toda a liberdade para decorar, cozinhar, deambular nua e apanhar coisas do chão com os dedos dos pés. Sem que ninguém me olhe de lado ou chame nomes.

Inspirei-me em dezenas de imagens e ideias. Reuni os meus guilty pleasures da Disney, os meus encantos pelo Harry Potter e Senhor dos Anéis, e rumei ao IKEA. Sem uma lista palpável e com uma imaginação fértil e esvoaçante. Erro crasso.

O carrinho tinha já tudo o que não precisava: um funil, talheres extra, taças de bamboo, velas e luzes de Natal. No caso de, quem sabe, ficar sem luz. Ia ao encontro do tapete amarelo, para a casa de banho, quando o telefone tocou. Não sei como, a rede é bastante fraca ou nula em todos os IKEA daqui. Mas tocou.

Do outro lado uma voz trémula e de choro anunciavam más notícias. Engoli em seco e desviei-me do centro do corredor, como se me encostasse à beira da estrada. Apoiei-me no móvel dos lençóis e a chamada caiu. Duas lágrimas, desobedientes, riscaram a maquilhagem. Olhei em redor, controlei a respiração de pânico e insisti nos telefonemas. Discuti, questionei, gesticulei, chorei e a chamada caiu novamente. Não me recordo do que disse ou dos pormenores do que ouvi.

Um zumbido apoderou-se da minha cabeça e o corpo ficou dormente. A história repetia-se. Lembrei de tudo o que já havia enterrado e vi o mesmo poço, em que todos nos afundámos, no final dessa memória. Pensava no pior, como todos fazemos aquando amedrontados, quando alguém me cortou o pensamento e me perguntou se estava bem.

Fitei aquele ser humano vestido de amarelo e lembrei do tapete que me levou ali. Retorqui com um sorriso apressado, assenti e segui caminho.

Finalizei o pagamento sem saber o que havia comprado, o tapete estava lá. Objetivo cumprido.

Quando a rede voltou, sentei-me ao telefone. As incertezas e dúvidas eram ainda maiores. Abri uma garrafa de vinho, convoquei duas amigas e esqueci o resto da noite.

Na manhã seguinte, o exército estava completo. Mesmo que desprovidos de armas e coragem, estávamos todos prontos para a batalha. Juntos, todos.

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