Gostava eu de saber como afugentar a morte.
Queria eu que os salpicos de água benta a assustassem, que uma ventoinha a soprasse para longe ou que uma vassourada nas costas a paralisasse e a fizesse demorar.
Estou farta da morte.
Estou farta que a morte ceife os meus mais felizes e importantes e amados. Os mais amantes da vida e meus pilares em horas de batalha.
Alguém lhe abriu a porta da minha casa. Alguém a convidou para entrar. E a asquerosa não arreda pé, não se levanta do meu sofá e não pára de assombrar a minha família.
É vil, é maléfica, é invejosa.
Tem inveja dos meus. Dos meus que riem mais alto, dos que tem o sorriso mais bonito, dos que vivem em liberdade, dos que se mandam para o mundo de peito aberto. Dos meus que são leais, corajosos e de palavra. Dos que não têm medo de arriscar, de abraçar ou do amor.
Dos meus que não têm medo de viver.
Dos meus que não têm medo da morte.
E por isso, ela os levou.
Deixei de sentir o corpo quente para sentir dormência. Como uma espécie de formigueiro que me deixa respirar.
Lido com a morte como quem lida com as lides domésticas. Tem de ser.
Já não sou eu quem importa. E não é por mim que gostava de matar a morte.
É pelos meus. É pelos outros.
Não aguento mais ver quem amo sofrer!
Ver as lágrimas infinitas, olhares perdidos, corpos desfeitos, os silêncios, os gritos baixos e agudos de quem perdeu o filho, o pai, o marido, o irmão, o tio. As primeiras reações e choques. Os funerais, o preto, as palavras de pouco consolo e as missas pelas almas.
Não aguento mais! Não quero mais!
Vai embora!
Agarra a tua ceifa e vaza!
Deixa-nos em paz.
Qual o teu preço?
Que te posso eu dar?
Fala!
Desaparece!
Deixa a minha família em paz!
Merda.
1 Comment
Nem sei como começar, talvez um “Olá, tudo bem?”
Sei que é a pergunta mais estupida que alguém nos pode fazer num momento de dor, mas também compreendo que as palavras são tão difíceis de usar e nem todos tenhamos o dom de a possuir.
Tive MUITA pena de não ter conseguido ir a Aveiro naquele sábado para te conhecer, não tinha de ser não sei, para variar culpa do destino ou nossa, talvez.
Quero agradecer cada letra que escreves ao construíres os teus textos, realmente me sinto em cada palavra e partilho da tua dor … desde Outubro de 2017 que a morte me bateu a porta e desde então não arreda do sofá, até acho que deve estar a comer pipocas e assistir ao seu filme perferido desde aquele dia, 4 pessoas, foi o que perdi ao longo deste quase perto de 1ano … Merda?? Sim, uma grande merda. Não sei mais quem sou ou onde vou muitas vezes. São mais as vezes que me perco do que me encontro. Podes não perceber, não sentir até, mas as tuas palavras, histórias e publicações, aos poucos, vão-me trazendo ao presente. Nem que seja por momentos.
Continua o bom trabalho. Obrigada!