Dez da manhã, acelero o passo nos corredores das chegadas do aeroporto.
Chove muito lá fora.
Ao longe avisto-os. Eles sempre me recebem com um sorriso e abraço apertado, como se os graus familiares que nos separam fossem menos distantes.
Apresentam-me as farmácias, bancos e casas de praia famosas que pintam a paisagem que corre pela janela do carro. Apontam para o ginásio onde a tia se exercita e o restaurante famoso pelos tacos à terça-feira. E chegamos ao apartamento, cuja atração principal é só uma: o terraço, à beira-mar plantado. Lá ficámos, os três de copo de vinho em punho. Era cedo, cedo demais para beber vinho mas, certamente, seriam cinco da tarde em alguma parte do mundo, e era Domingo de Super Bowl. O acontecimento anual do desporto americano, onde todos se reúnem independentemente das equipas que disputam a final. Em South Carolina não foi exceção, os amigos de condomínio dos meus tios organizam uma tainada na sala comum e encontramo-nos para a ramboia. Na mesa corrida há galinha, batatas fritas, almôndegas doces, camarão, pizza e tantas outras comidas muito práticas e pouco saudáveis.
Aqui aprendi a primeira lição desta viagem. Acompanhar pessoas experientes em idade e em bebida, não é tarefa aconselhável. Assisti, a custo, ao Justin Timberlake a entreter o intervalo e a tirar a selfie com o rapazinho loiro, e retirei-me. Eram nove e meia da noite.
Desajeitada estiquei-me no sofá da sala. Acordei, sedenta, de madrugada com o luar a refletir no mar. Pairei sobre aquele cenário e deitei-me contente. Feliz pelas horas de descanso que ainda restavam. Iludida estava. Às cinco e meia da manhã a cafeteira fez-se ouvir. O tio retira a caneca, sarapintada com o cão preto estampado, do armário e aprontava-se para verter o café quente quando me viu despertar:
– Levanta-te, ele está quase a chegar.
Ele, o esplendor que nasce do mar. Protegi as costas com um edredão e segui-o para o alpendre, ainda a esfregar os olhos remelados. Sentados nos cadeirões, molhávamos os lábios na cafeína e atentávamos no horizonte. E sem contar, o primeiro raio laranja tocou-nos a íris e eu esbocei um sorriso rasgado. O sol continuou subindo, vagarosamente e extravagante em cor. Não houve discurso entre o meu tio e eu. No meu pensamento a nostalgia de não lembrar a última vez que acolhi um nascer do sol.
Desejei que houvesse mais disponibilidade para o ver.
Recolhemos as canecas, mastigamos as panquecas e descemos ao areal. De pés descalços afugentei as gaivotas descontraídas e respirei a maresia. Acompanhei o meu tio que, de costas dobradas, procurava dentes de tubarão escondidos na areia. Encontrei poucos, os meus grandes olhos não estão ainda habituados a tais descobertas.
De carro, percorremos as ruas. Mansões colossais pintam as ruas paralelas à praia, deixo que o espanto me dilate a boca e imagino-me a baloiçar numa cama de rede presa naqueles grandiosos jardins. Mesmo que as casas não sejam as típicas litorais, os donos destas relíquias cumprem a tradição da praia transformando as caixas de correio em simpáticos pelicanos, acolhedores de cartas.
Mostraram-me a roda gigante, a avenida principal e os parques de diversão para as crianças:
– Que trazes na tua lista de sítios a visitar? – pergunta-me a tia, já sabendo dos meus estratagemas.
– Brookgreen gardens, se não ficar muito longe e fora de mão.
– Amanhã pode ser?
Os tios tratam-me como uma filha e os vários anos que nos separam, de algum modo, tornam-nos cúmplices.
Terminei o dia no jacuzzi com ela e um copo de vinho, pousado na beira de mármore azul. Falámos até que as mãos enrugaram e a barriga rugiu de fome.
Comemos, bebemos, assistimos a um filme e às oito e quarenta e cinco puxámos os lençóis.
Na madrugada seguinte assistimos a um novo nascer do sol e rumámos ao jardim, que queria conhecer.
Brookgreen gardens, existente desde 1930, é um jardim de esculturas e vida selvagem preservada. O seu criador, o escultor Archer Huntington, comprou a propriedade para que a sua esposa, Anna Hyatt Huntington recuperasse da tuberculose que lhe foi diagnosticada. No entanto, e meses depois, a propriedade foi incorporada, sob as leis do estado da Carolina do Sul, como privada, não lucrativa e intitulada como Brookgreen Gardens. Nomeado, hoje, entre os dez jardins mais célebres dos Estados Unidos, pela beleza e história que lhe dão corpo. É também palco de paisagens, árvores, plantações de algodão, fontes e museus dignos de um filme.
Por lá divagámos, perdidas entre verdes e conversas mundanas. Apreciámos os grandes jardins, as árvores centenárias, os deuses esculpidos, o Dom Quixote a galope e partes históricas cravadas em mármore.
A tia fez os meus registos fotográficos, sendo apoiante e amante daquilo que me faz feliz. E aquando cansadas de nos perdemos na paz, o tio recolheu-nos e levou-nos para o bar mexicano que os diverte à terça-feira dos tacos.
Brindámos, abraçámo-nos e o tempo escapou-nos.
Na manhã seguinte o voo marcado aguardava check-in.
Acordei para o nascer do sol, mas as nuvens carregadas não deixaram que o visse.
E assim como a chuva me trouxe, a chuva me levou.
Despedi-me de Carolina do Sul num fim de manhã ensopado.
Com o cabelo escorrido e seca da saudade que me pairava na alma.
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