Primavera de 2004 e uma adolescente entediada em casa.
Sozinha esgotei todas as formas de entretenimento. Ninguém que interessasse estava online no mIRC ou MSN. Os TPC’S estavam, mal, feitos e como o calhamaço do Nokia 3310 não tinha memória fotográfica, decidi subir ao sótão e vasculhar os álbuns de família.
Rejubilei com os cabelos exagerados, calças à boca-de-sino e quando empurrava as bíblias familiares pela estante bati num maço de tabaco. (Propositadamente escondido). Era um Marlboro sem as imagens e frases chocantes que os atuais falham em assustar. Lentamente, abri o pacote e dez cigarros aguardavam uso.
Tinha catorze anos, nada para fazer e virgem em nicotina. Convenci-me que aquele descoberta era um sinal dos céus esfumaçantes.

Elaborei um plano detalhado para que a minha mãe nunca descobrisse. Certamente havia um motivo para aquele maço estar escondido no sótão. Não queria desiludi-la ao revelar que o esconderijo foi pouco eficaz. (E também não queria levar uma carga de porrada).
Saquei um cigarro e arrumei, imaculadamente, o pacote no mesmo sítio. Atravessei os dois quintais da minha casa com uma caixa de fósforos e uma luva de borracha. Chegada ao curral dos porcos, respirei fundo e despedi-me da minha vida inocente de tabaco.
Raspei a cabeça do fósforo na ripa castanha, encaixei o cigarro nos lábios e acendi-o. Suguei a parte amarela e engasguei-me com a inalação brusca. Aquilo sabia mal, nojentamente mal. Os porcos assustaram-se com a minha tosse aflita, as lágrimas encharcavam-me os olhos mas não me dei por vencida. Se milhares de pessoas fumam a toda a hora e tiram prazer de um cigarro, alguma coisa fiz errado. Repeti o gesto e sem tossir expirei o fumo para o céu. Como uma verdadeira nicotino-dependente. 
Com a curiosidade saciada apaguei o cigarro e enterrei-o no quintal do meu avô. Dirigi-me ao contentor do lixo da rua e descartei-me da luva e do fósforo usado. Bebi meio litro de leite, tomei banho, lavei o cabelo e os dentes duas vezes. Borrifei-me com perfume e atirei-me para o sofá da sala com um ar vitorioso. Não havia como ser apanhada.

1hora depois chegava a matriarca da família. Corri para a porta da frente, ela carregada com sacos do Jumbo cumprimentou-me sem me olhar:

– Então filha?

– Cá estamos… – respondi enquanto respirava aliviada e feliz.

– Vem cá fora ajudar-me, por favor.

– Claro!

Assim que coloquei pé fora da porta e o sol me iluminou a cara, ela largou o que nas mãos tinha e pegou-me no queixo. Examinou-me, cheirou-me e gritou-me:

– O que é que andaste a fazer?!

– Nada! Nada!

– Tu não me mintas!

– Oi…. Não fiz nada! – Menti enquanto sacudia a cabeça, tentando libertar-me do seu agarro.

– Tu tens as pestanas todas queimadas!

Engoli em seco. Desiludi-me com a minha falha.
Dentro de casa, na sombra, não prestei atenção às pestanas. Num milésimo de segundo inventei uma história do arco-da-velha. Sem nunca mencionar o cigarro. A minha mãe acreditou e ainda ganhei um abraço.

Soube, anos depois, que o maço que encontrei tinha quase uma década. O filtro estava amarelo e o papel branco sarapintado de cinza escuro. Nunca havia visto um cigarro de perto, não fazia a menor ideia que era velho como o tempo. Não sabia também que o maço não estava escondido mas esquecido. Assim que o acendi queimei imediatamente as pestanas e alguns pelos das sobrancelhas. Contudo, experimentei e aprendi a lição… Numa próxima vez uso uns óculos de soldar.

Talvez por esta experiência ter corrido assim nunca me tenha apegado ao tabaco.
Sou uma não-fumadora orgulhosa.

Viva a adolescência rebelde!

(Desculpa Mom).

 

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2 Comments

  1. Carla Pacheco

    Mais um texto espetacular… sem dúvida de Rir, Alice no sem melhor… Adorei…
    Parabéns Michelle, nunca deixes de escrever… Beijinho

  2. 😅 Não foste a única, conheço quem tenha queimado o cabelo, ao menos não te apegaste ao tabaco, ainda bem! 😎

    Mónica xx