Nem parece ser Dezembro, há má vontade que seja Natal.
Não porque não neva, não por outro motivo que não ele.
O ele não estar.
A falta dele.
O vazio.
Há saudade, demasiada saudade. Uma saudade que anula o Natal, que levanta o curativo, que rasga os pontos e que faz sangrar.
A saudade…
Que todo o ser humano saiba o que é sentir saudade. Em todas as línguas, divisões silábicas, vogais orais e nasais. Porque a saudade é as memórias que nos ficam dos outros. Dos outros que vivem e dos outros que já não.
Afortunados são os que ficam com a saudade que os outros deixam de herança. Sentir saudade é sinónimo de que se viveu, que se amou, que se foi feliz.
Muito feliz!
Tão feliz…
Ténue é a linha racional, aquela que separa o sentir a boa saudade da saudade estúpida. Que enlouquece, fere, revolta e nos esventra com uma realidade imposta. Que não encomendámos.
É o primeiro Natal, sem eles.
Sem o pai, o esposo, a prima, a avó, o irmão e o tio.
É o fim do rolo, é a última página do álbum de fotografias, é um lugar vago na mesa. É um silêncio nauseabundo, é um ignorar de uma falta que nos traz solidão.
As rabanadas sabem a cinza e o bacalhau a atum enlatado. Compram-se coisas por obrigação, sem criatividade na utilidade ou amor no embrulho. Está-se de corpo presente mas de alma em Natais anteriores. Está-se aqui porque é politicamente correto e emocionalmente necessário. Todos juntos, a jantar silêncio e a segurar as cordas que impedem que uma família, viúva e órfã, desmorone. Vidas que respiram entubadas.
Revoltamo-nos com o badamerda que inventou datas que obrigam a família a partilhar refeições. Que obrigam quem nunca se vê no ano a se cumprimentar agora. Por favor, porque é bonito e porque tem de ser. Está no calendário. É feriado.
Que mais bonito fosse o convívio diário.
Não me prestem atenção…
Isto é triste.
Isto é o nosso primeiro Natal, sem ti.
Isto é estranho.
No ar não há teu cheiro, não há o eco da tua voz e ninguém guardou o teu último toque. Não há o abraço desajeitado, os vídeos engraçados, o vinho azul-turquesa, as pirraças sobre futebol e os jogos virtuais de ténis. E poderia agora haver tudo isto, com outros alguéns, e nunca seria igual.
Fica um obrigado lançado em voz alta às estrelas.
Obrigada por vinte e sete natais de memórias boas.
Obrigada pelas horas infinitas de dores nas costelas de tanto rir.
Obrigada pelos tantos olhares, sarcasticamente sorrateiros, que partilhámos.
Obrigada pela vida.
“You are really wonderful, I love you”
“I want to say thank you”
“Añoranza”
“I miss you”
“E eu amo-te, até já pai”.
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