Relógio biológico

Disse eu um dia, talvez à minha mãe, que queria estar casada e com dois rebentos aos vinte cinco anos.

Ainda nada eu sabia da vida.

Passaram-se os vinte cinco, as datas não cumpridas e hoje pondero até nem ter filhos. Entristecem-se os futuros avós, bisavós, tias de sangue e tias emprestadas. E eu também.

Esta decisão pendente não é vontade em querer conhecer o mundo sem apêndices…Ou de querer a dita liberdade eterna. Ou porque sou egoísta! É por não o ser que posso nem vir a pôr crianças ao mundo, é talvez por querer tanto ser mãe que tenho medo.

A um mundo doente, não quero eu dar o maior fruto d’amor.

Da mesma maneira que agora não há um cão, por falta de espaço e tempo. Não haverá filhos por falta de certezas de um futuro colorido, respirável e bebível.

Quero dar-lhes o que a mim me deram: frascos de memórias felizes.

Quero que o meu filho entranhe a terra nas unhas dos pés, quero que ela corra pelos campos macios de relva. Onde as ovelhas pastam e os cães roçam as costas, de boca aberta. Quero que ela viaje, que ele veja todos os azúis, brancos, verdes e vermelhos. Que eles sintam as temperaturas tropicais, o frio da serra, que ouçam os estalidos dos toros a arder e a chuva a dançar contra as janelas. Quero que respirem o ar sem máscaras, que não tenham de lutar por água e que mergulhem num mar “desplastificado”.

Quero que tenham tempo para procurar o sol, para contar as estrelas, soprar dentes-de-leão e encontrar trevos de quatro folhas.

Não quero que nasçam condenados.

Não quero a dor de não os conseguir proteger, e de tão pouco saber como.

Não quero que eles conheçam o sufoco. Quero que vivam inocentes, que cresçam em paz. Talvez continue ainda sem saber nada da vida…

Mas sonho com um mundo feliz. De esperança, das soluções e da mudança.

Talvez nenhum dos meus filhos nasça num seio familiar perfeito e normal, aos olhos da sociedade. Talvez venha a ser só mãe ou mãe só. No entanto sei, com firmeza absoluta, que não faltará amor. Do verdadeiro, do livre de hipocrisia, do companheiro, confidente e leal.

Quero que eles sejam dados aos abraços e aos beijos de boca suja. E que ouçam. Gostava que fossem espontâneos, corajosos, simples, amantes da vida e livres em pensamento. Gigantes nos sonhos e guerreiros implacáveis. Quero que ela ria de boca escancarada, que ele gargalhe como uma hiena, que ela seja da arte que lhe apetecer, que ele vista calças à boca de sino. Que ela ame mulheres, ou homens, ou os dois ou só um. E ele também. Que não tenham medo de mostrar o que na alma lhes vai, de partilhar o que lhes aflinge o pensamento e as borboletas que lhes tiram o sono.

Os meus filhos vão saber da existência da morte, da fugacidade do nosso tempo, da importância em partilhar palavras e sentimentos. Vão saber que o Pai Natal não existe por mim, e não por outro alguém que não eu. Não os quero iludidos ou desiludidos.

Quero ser mais amiga que mãe. Quero ser o poço dos seus segredos, quero que venham até mim para refúgio, aconchego e conselho. Quero educar, libertar e deixar voar.

Quero por isso um mundo digno de os receber, quero um mundo que me dê oportunidade de ser esta mãe. De ter estes filhos.

Quero um dia dizer-lhes que já era mãe deles antes de eles. E que eles nasceram porque era seguro.

imagem de capa por stocksy

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