Em silêncio, enterrei-me no banco de trás do carro preto. A mão esquerda da Sofia espreita pelo banco do passageiro. Aperto-a, enquanto ela me mima com o polegar.

Não queria ir embora e não o escondi.

Aveiro corria pelas janelas do carro. A minha cidade, irreconhecível pelas lágrimas que me embaciavam a visão. A Mel e a Van entram a meio caminho e num discurso quebrado todos nos fazemos ouvir:

– Estaciono no parque ou paro nas partidas? – Pergunta o Luís preocupado.

Respondi que me poderiam deixar nas partidas, era a solução mais prudente e menos trabalhosa. Mas ninguém concordou comigo. Também os mandei embora meia dúzia de vezes, mas ninguém arredou pé.

Dirigimo-nos para a exagerada fila do check-in:

– Está com muita pressa para deixar Portugal? – Desafia-me a hospedeira. – Este voo para Nova Iorque está quase completo e estamos a aceitar voluntários para embarcar noutras datas. Oferecemos também 600€.

Não reagi. Fitei aquela mulher com desconfiança, como se a qualquer momento ela se fosse desmanchar a rir. A Van riu e segurou o antebraço da hospedeira, a Mel mostrou as covinhas sorridentes e a Sofia tentou ler a minha falta de reação. Cinco pares de olhos esperavam uma emoção, palavra ou decisão. Enquanto isso, eu avaliava as consequências de não embarcar naquele momento:

– Eu aceito ser voluntária! – Respondi aliviada.

Reabastecemos o carro com as minhas malas de viagem, ninguém acreditava que saímos do aeroporto novamente juntas. Rumámos ao pequeno-almoço. Num êxtase feliz gritámos as músicas da rádio, dissemos parvoíces e irritámos o condutor.

As viagens de regresso não são os meus passatempos favoritos, longe disso. Este retorno pesava-me a alma mais do que o habitual. Sentia-me apreensiva e com medo. Questionava a minha decisão, fazia-me acreditar que me obrigava a seguir um caminho desnecessário. Não perdi o rumo, mas esta confusão de orientação baralhou-me as prioridades. Sem saber bem como, acabei por não me despedir dos homens mais importantes da minha vida. Não me despedi também da minha zona de conforto, não me havia preparado psicologicamente para deixar Portugal.

E de repente, um voo adiado. De repente, mais três dias para fazer o que não havia feito. De repente, uma oportunidade. (Eu sei, tenho mais sorte que juízo…)

Três dias. Três almoços em família, um mergulho no mar, uma noite fantástica na Invicta, um abraço apertado no colo do meu pai, uma palmada de incentivo do meu avô e uma nova atitude.
Podes questionar a relevância de três dias em três semanas. Porém, foram eles que me deixam aqui, deste lado. Muito deste lado.

Três dias depois, às 6h da manhã elas estavam lá outra vez. Sem desculpas, sem falta de amor mas com muito sono.

Bati a porta de casa, uma lágrima contornava o meu sorriso.

O coração encheu-se de esperança.

Os meus pés abriram caminho.

A minha mente tranquila fez-me ver as batalhas que se avizinham.

Finalmente pronta, embarquei.

Até já meu pequeno Portugal, que em grande escala me baralhas o foco. 

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4 Comments

  1. Carolina

    Wow. O texto está lindo. Só não chorei porque iam reparar aqui no trabalho .. Ahah. Estou a trabalhar no México e também fiquei nove meses sem ir a casa. Quando cheguei em Dezembro nem conseguia dormir só de pensar que não me queria ir embora. Ir a casa também me fez questionar muita coisa.. coisas que me esqueci, ou fiz por esquecer, estes meses fora.
    Agora o que segue? Continuar aqui ou traçar um caminho de regresso? Enfim.. voltei com mais perguntas que respostas.

    Um grande beijinho e continua a escrever , eu vou continuar a acompanhar 🙂

    Carolina

  2. Bem Alice… eu tenho acompanhado a tua escrita e queria pedir-te uma coisa… nao pares de escrever. Nunca.
    Também estou longe de Portugal. Já vou no sexto ano. E não… não se torna mais fácil. Infelizmente. Mas acredita… a tua escrita ajuda. Tenho a certeza que ajuda muitos de nós.
    Desejo-te toda a sorte. E que encontres respostas para todas as tuas dúvidas.
    Beijinho