Tem décadas que um grande pedaço de tecido emigrou daqui para terras lusitanas. Usado por ti, nos teus “intes” ou “intas”, quando ainda jovem e desprovido de filhas.

Adoptei esse pedaço de tecido, agora recortado em t-shirt, quando entrei no teu quarto para recolher o que, teu, quisesse.

Agora estamos as duas aqui, deste lado, e não há conforto maior do que quando a tua roupa me beija a pele.

Faz-me crer-te mais perto.

Eu tenho saudades tuas.

Mais saudades do que qualquer outro dia.

Perdi-te quando me preparava para levantar voo. Quando me preparava para conquistar os meus sonhos e vontades, que tu esperavas ser testemunha. (Não que qualquer outro tempo fosse melhor. Foste sem que me avisassem, porque se eu soubesse nunca te deixaria ir. Que me descolassem as unhas, que me arrancassem os cabelos, que me esmagassem os olhos, que me sugassem as forças e me escaldassem a vida.. não te deixaria ir. Nunca).

Demorei demasiado tempo.

Perdi-te, poucos meses antes do meu foguetão penetrar o espaço. Antes de te mostrar as minhas estrelas, os meus planetas e poeiras coloridas. Antes de te mostrar que virei mulher, independente e confiante, prepotente e conquistadora.

Perdi-te.

E não há paz em nenhuma das palavras que todos os outros e outras, que moram no arredores da casa imaginária onde ainda habitamos, usam para me consolar. Todos os outros e outras, fora de mim e de ti.

Só estou eu, agora.

Só estou eu, e algumas memórias que me sossegam quando estou sozinha.

Só estou eu, mesmo quando a barulheira parece falar a tua voz. (já não te procuro desesperadamente, nunca mais podes ser tu. )

Só estou eu, quando acordo das centenas de sonhos em que me apareces.

Só estou eu, num mar de gente que não sabe o que não sou sem ti.

Todos os dias eu luto, me transformo, camuflo e sangro.

Todos os dias eu ouço, tantas palavras que não se assemelham às tuas. Mesmo que iguais.

E quanto mais gente me fala menos eu lembro da tua voz.

Menos tempo estou comigo, e contigo.

Eu abria mão de tudo.

Sem pestanejar, sem respirar fundo.

Eu abria mão de tudo.

Agora estou só eu, com a tua roupa vestida.

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1 Comment

  1. Que lindo, Michelle. A tua dor é semelhante à minha. Uma perda que nos acompanha para sempre como se tivesse acontecido hoje. Mas a vida corre e os anos passam, e as memórias começam a ficar mais turvas mas nós só queremos mantê-las vivas e por isso lutamos para nos recordarmos todos os dias.

    E ao escrever isto, sinto logo o nó na garganta. Ninguém nos prepara para a dor que é, ficar sem o pai, sem tempo para lhe mostrar que o que nos ensinou, deu fruto. Mas eu creio que eles já sabiam, quem estávamos destinadas a ser.

    Tenho pena de não ter ficado com nada dele. Infelizmente foi tudo dado no calor do sofrimento da minha mãe. Não há forma de voltar atrás, uma pessoa acostuma-se.

    Um beijinho e obrigada por partilhares as tuas palavras.

    Teresa