Quase sempre atrasada. Estacionava no -1, entrelaçava os dedos nas marmitas e corria pelas escadas rolantes. As portas de vidro abriam e lá estava eu no mundo encantado das cuecas!

O meu trabalho era invejado por muitos, talvez por ver sempre, no mínimo, 4 pares de mamas, rabos, sovacos e joanetes por turno. Dependia do à vontade e nível de carência da cliente. Outra vez alguém me mostrou, também, a passarinha. Sem que me orgulhe disso. Arregalei os olhos, desprevenidos, e fixei-me no olhar daquela desenvergonhada. A comissão dessa venda deveria ter sido triplicada!

Fazia parte da patrulha da noite e muitas histórias ali se desenrolaram. Foi aqui que me cruzei com as, múltiplas, facetas femininas. Vi as mulheres que faziam tempo, as que desenhavam o stress acumulado nas mesas imaculadas, as que queriam conversar, as que procuravam um elogio ou aprovação, as chatas, as indecisas, as envergonhadas, as “não me chateies” e as que andam com o telemóvel em punho, impacientes e ofegantes. As que se vestem só de uma cor, as que vêm do ginásio, as que amassam o cão debaixo do braço, as que arrastam o companheiro aborrecido, as que querem só o que está na montra, (até aqueles macacões laranja florescentes, dos saldos), as que compram para devolver e as que só fazem trocas. Sim, nós fixamos tamanhos, caras, nomes, sotaques, perfumes e manias.

Neste mundo de copas, alças, pijamas e sapatilhas está materializado o parque de diversão favorito dos Homens. Fofas e previsíveis criaturas que celebravam o dia dos namorados, aniversários delas e o Natal connosco, até à última da hora. A abordagem de um cliente não varia muito: há os que sabem exactamente o que querem, e em que tamanho, e os que não fazem a menor ideia. Os ignorantes eram os meus favoritos. Os que sacavam da etiqueta, amassada e velha, que, sorrateiramente, cortaram do sutiã da companheira. Aqueles que desenhavam, encurvando as mãos, o tamanho da mama. E os outros, que, na maior cara de pau, examinavam as minhas meninas, procurando ponto de referência:

– São mais ou menos como as suas. Talvez maiores. – Atentavam, enquanto eu seguia o olhar deles e sorria.

Aqui aprendi bastante. A vender, persuadir, aconselhar, a conviver e a respirar fundo. Nunca soube dobrar, angelicamente, a roupa (como a Marlene dobrava), vestir os manequins como se fossem para o primeiro dia de escola, (como a Polónio vestia), ou despachar um camião com a agilidade e rapidez (como a Oliveira despachava). Mas sentia um amor incondicional, meio obsessivo-compulsivo, pelos packs de cuecas e ninguém cuidava deles como eu! Na época dos saldos, era eu, destroçada, quem os apanhava do chão e os reanimava.

A Vaporetta e a entrega dos alarmes eram as minhas ocupações favoritas na Oysho. Oysho! Não é Ôsho, Óisho ou Oyshio. Lê-se: Ó-i-sho. Pode ser?

Trabalhar só com mulheres nunca me atraiu. Somos complicadas, mesquinhas e parecidas. A vantagem é que no universo dos cacifos femininos nunca faltam os pensos higiénicos, tampões, alisador de cabelo, desodorizante e batom de cieiro. Mas foi aqui que, sem dar conta, construí uma família. Juntas chorámos, cantámos, rimos, dançámos, inventámos palavras e nunca deixámos que um dos barcos se afundasse. Todas elas, as mais próximas, presenciaram o meu lado mais vulnerável, emocional e físico. Limparam-me as lágrimas e ensinaram-me a crescer.

Também aqui presenciei o que é nascer mulher. Ser mãe de um ou dois filhos, trabalhar com olheiras, dores e preocupações. Fechar o cacifo e lá deixar o que não ajuda a vender. Pendurar um sutiã enquanto se pensa no que cozinhar amanhã, nas contas para pagar, nas compras a fazer, nos problemas familiares, nas férias que demoram a chegar e ser interrompida pela cliente que, às 22h45, decide desarrumar a loja. Mas quando no final do turno, se desligavam os computadores e o desgrapadores , havia um sorriso e estávamos juntas.

A encarregada de loja mostrou-me, com muita inteligência, como se lidera uma equipa. Tratando as pessoas como seres humanos e não como coisas. Inúmeras vezes me colocou no caminho certo e me ajudou a subir os grandes muros que me bloqueavam, sem nunca me ter passado a mão pelo dorso. A Cunha tem tanto de altura como de personalidade e quando eu cansei da vida, que não vivia, foi a primeira a empurrar-me para o mundo.

Na verdade, cansei de trocar aniversários por jantares com cabides, e a contrarrelógio. Com pouco espaço para comer, dormir, espreguiçar ou crescer, sem que tenha que atribuir culpas a alguém. O aconchego dos pijamas já não era suficiente, os espelhos do provador reflectiam o meu não conformismo e os quinze minutos de pausa incomodavam mais do que o normal. Dois pares de anos ali estive. E quando a hora chegou, despedi-me de todas, arrastei-me para a saída e enquanto aguardava o deslize das portas, as lágrimas lavavam-me o rosto.

Sou uma ex Oysha saudosa, orgulhosa, grata e feliz. E trago comigo quem desta experiência fez parte.

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3 Comments

  1. Só quem é uma Oysha percebe o verdadeiro significado de cada palavra que escreveste. Eu ainda pertenço a este mundo que é muito mais do que cuecas e soutiens. É ver na nossa equipa uma família. Uma verdadeira família. Uma vez Oysha, para sempre Oysha!💖

    • Michelle Rita

      Completamente! Obrigada pelo comentario e incentivo! Estamos todas juntas, Oyshas <3