Numa tarde, há onze anos daqui e no armário ambulante do meu avô, estávamos as duas sentadas na tijoleira branca rodeadas de pincéis e bases baratas. Entre as poucas palavras e muitas lágrimas disse-te o que a mim me diziam, e o que não executava. Tinha a tua cara presa entre as minhas mãos adolescentes. Não havia música dançante de fundo, máquinas fotográficas, câmeras de vídeo ou telemóveis. Lembras-te?

Éramos tu, eu e um amor.

Foi ali, naquele momento há onze anos e não há catorze, que soube que tu e eu éramos metade uma da outra. Cúmplices, confidentes, amigas e irmãs.

Não me lembro do dia que te conheci, o que falámos ou fizémos. Lembro que eras luz, do longo cabelo loiro ao limite do teu sorriso. Eras energia, aventura e música. Eras como eu, mas muito mais bonita e fotogénica. Percebi que eras um ‘Hakuna Matata’ em forma humana: tudo a teu lado era despreocupante e simples. As minhas tardes livres faziam bem mais sentido contigo, éramos adolescentes na velocidade máxima.

Cantavas e eu dançava, partilhámos palcos, passarelas e sessões fotográficas. Selins de bicicletas, camas, refeições e roupas. Abraços, lágrimas e sorrisos.

Mudámos de escolas, seguimos para universidades diferentes e não houve distância que nos apagasse da memória uma da outra. Quis o destino que eu voasse para o outro lado do oceano e o que desconfiava aconteceu. Prometemos ser unha e carne e lutar contra as milhares de gotas oceânicas que tendiam afogar o que tínhamos. Gastámos baterias de telemóvel, enfurecemo-nos com o fraco sinal da internet, desesperámos com o diferente fuso horário e aguentámos a saudade. Então, fizémos planos, que nos davam esperança em tempos mais difíceis. Planos para conhecer o mundo, a duas. Desbravámos Cuba, Nova Iorque e recantos portugueses, todas as vezes que vim a Portugal de férias conhecemos um lugar novo. Ir e voltar começou a doer menos, e tu és um dos motivos.

És e foste tão mais…

Foste, e és, presença assídua nos aeroportos portugueses onde aterro. Estás presente em tudo o que conquisto, divulgas o meu trabalho no teu universo digital sem que te peça, aplaudes as minhas conquistas, aconselhas o meu percurso e desafias-me a querer ser mais e melhor. Estás sempre na primeira fila! Faça chuva ou sol. Partilhamos tudo o que de bom há nesta vida. E o que de mau também, obrigada principalmente por estares nos momentos mais horrendos. Por cuidares de mim como se fosse tua irmã, que é assim que a tua mãe e a minha nos vêem. Eu prometi, algures não sei onde ou quando, cuidar de ti também. Defender-te contra a inveja, a cusquice e a mesquinhez de quem espera na sombra que alguém te puxe o tapete. E eu defendo-te, como defendo a minha família, como me defendo a mim. E se algum dia a vida exposta que tens terminar, se te zangares com as redes sociais e com as máquinas fotográficas… oh amiga, eu estarei contigo. Igualmente zangada.

Cuidarei de ti, mesmo quando casada há 50anos e com quatro caçulos a correr pela casa. Por agora, cuido de ti e dos teus bebés caninos como se fossem meus. Porque onde tu fores eu vou, onde estiveres eu estou também. Seja de que forma for.

Agora, estou aqui na praia que nos acolhe desde miúdas, abraçada aos meus joelhos e a assistir, como quem assiste a um filme, à nossa vida de miúdas. No pensamento, o fim de um ciclo, o fim da nossa solteirice simultânea. A alguns dias daqui, eu levo os lenços de pano, os shots, os álbuns de fotografias, as músicas dos 90’ e a massa de atum gratinada. E depois de uma noite mal dormida, nervosas e felizes, levar-te-ei ao altar.

Lembras-te de uma tarde, há onze anos daqui e no armário ambulante do meu avô, quando estávamos as duas sentadas na tijoleira branca rodeadas de pincéis e bases baratas?

Quando segurei a tua cara entre as minhas mãos e disse-te que merecias tão mais e melhor do que aquilo que tinhas?

Era a alguém como quem tens agora que eu me referia. Sem lhe dar nome ou forma, era ele quem eu sonhava que te aparecesse. Que te amasse e fizesse feliz, a mais feliz. Ele é um homem de sorte, e eu com ele na tua vida sou uma mulher descansada.

O meu peito enche de orgulho contigo, pelo que és e pela vida que construíste. Sei que estes dias que se avizinham são arrebatadores. Sei que vamos chorar, talvez todos esses dias, no entanto quando a ansiedade começar a apertar só há uma coisa a fazer. Carregar no play e gritar “ oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, he put a ring on it !” Podemos também dançar a icónica coreografia da Beyoncé.

Dizem que toda a morena tem a sua loira, pois bem.. nós vamos além das pigmentações capilares. Eu, a morena, tenho uma melhor amiga, a loira, desde que me lembro gente, minha irmã de outros pais, minha companheira de vida e minha afilhada de casamento. Quem arrasto para o meio da pista, quem me atira para cima das colunas, quem me faz acreditar numa vida onde o que se sonha é válido e fazível.

Agora, vou continuar com o jejum porque mal posso esperar por comer o bolo de casamento mais fit do universo.

Façamos o primeiro brinde imaginário: a enfrentar um futuro desconhecido de mãos dadas. Tchim-tchim!

/a xelinha dos treze anos

/ a tua madrinha

/ a tua irmã adoptada

/ a tua melhor amiga

Fotografia de capa por Serenela Dinis

Author

Comments are closed.