Aprendi que as minhas palavras escritas se alimentam da angústia, do vazio e da perda de sabor. Raramente se alimentam do bonito.
Dei por mim, no outro dia, a reparar no meu mindinho deformado… Porque o obrigo a ser tripé, quando seguro o telemóvel em mãos.
Dei por mim, num dia bonito, deitada na areia com alguém que tanto amo e não partilhava o estar de qualidade há meses. E sem contar, fui assaltada por um sentimento de culpa por estar ali. Estatelada, a existir. Sem produtividade ou trabalho. Saí a correr, corri para casa, corri para o computador e corri para deformar o mindinho.
Mais um bocadinho.
Noutro dia, dei por mim a aperceber-me que numa mesa de cinco, somos sempre dez. Somos sempre a dobrar. Porque o telemóvel é agora um talher extra. Não nos damos ao luxo de comer sem ele ou de ouvir os outros sem que ele também ali esteja. A ouvir e a fazer parte, mesmo que de costas voltadas.
Ontem dei por mim, a tentar lembrar-me qual era a primeira coisa que fazia ao acordar, quando os telemóveis não existiam… Não consegui lembrar. Também tentei pensar nas minhas últimas férias. Férias! Sem merda na cabeça. Sem ter que produzir, responder, partilhar, criar roteiros, highlights, localizações… Porque é importante que o algoritmo não passe fome. Porque é importante existir, todos os segundos no online. Porque é que o silêncio é cada vez menos silencioso? Isto são férias?

Há muitos meses, dei por mim a acordar e a não querer levantar. Dei por mim a querer a relva do outro, como se a minha não fosse o jardim mais bonito onde enterro os pés descalços. A parte feliz de isto tudo, é que dei por mim.
É bonito colocar o dedo na ferida e agir. Não agir. Não fazer nada, só regar. É bonito sabermo-nos. É bonito quando damos por nós.
Tenho vontade de não querer consumir ou ser consumida, ver ou mostrar.
Ouço a Natureza que me chama.
Quero voltar ao mar, a procurar a lua e a saber das chuvas de estrelas. Quero os calcanhares encardidos, o dançar sem câmeras, não responder, não perguntar, não vender e não comprar. Quero voltar a ser humana, a apreciar o que tanto de bonito existe, a compreender que se só vivemos uma vez: trabalhar e viver em desassociação não são as únicas verdades da vida. Sete dias de trabalho, oito pequenas profissões, nenhuma delas se dá ao trabalho de trabalhar em mim.
A sede de recomeçar, no meu país. Que não me viu nascer, mas viu crescer, viu ir e viu voltar. Viu ficar. Vê o quão difícil é ficar. Estou cansada. Existe mais. Hoje saio desta roda viciada, deste ciclo, e um dia dou por mim de volta.
Quando melhor souber equilibrar esta arte social. De existir em todo o lado e em lado nenhum, nem dentro de mim.

Life is an ocean of cycles.
Surf, dive and just keep swimming.
I got some healing and learning to do.
Até já,
Michelle, só a Michelle

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