Despertei a meio da noite com a certeza de que não estava sozinha. Senti a tua presença, como já antes acontecera. Engoli em seco, soltei-me dos lençóis quentes e assentei os pés no chão frio. Esta é mais uma das vezes que apareces sem convite.
Trazes contigo a música que outrora nos unia e incentivava a criar memórias. A melodia sussurra pela frincha da janela da sala, como se o vento cantarolasse o nosso reencontro. Preencheu todos os cantos do meu pequeno apartamento e quando me entrou pelos ouvidos vi-te.
O luar dá-te dimensão e sombra. Reconheceria a tua presença entre milhares de sombras, cheiros e risos. Porque mesmo que um para todo o sempre nos separe, nós já fomos um. Um dia pertencemos um ao outro, desconhecendo que um outro dia seríamos individuais e de outras pessoas, que não tu ou eu. Um dia houve amor. Um amor inocente, livre e cru. Tão ardente como sol, tão viciante como a droga, tão frágil como a vida. Um amor que morreu, nunca para sempre.
Talvez por isso estás aqui.
Fiquei em silêncio. Apesar de este ser o meu palco, não iniciarei a contracena. A nossa música já não paira pelo ar, como se outro alguém tivesse levantado a agulha do vinil e pausasse este momento. Esboças um sorriso e estendes a tua mão esquerda na minha direcção.
Hesito.
Dás-um passo em frente.
E como se tivesse sido empurrada, corro desesperada ao teu encontro. O meu robe preto de cetim esvoaça em câmara lenta pelo ar. Pouso a minha mão na tua, abraças-me a cintura com o braço direito e contemplamo-nos com rejúbilo. Sem discurso, som ou relógios.
À luz da lua, no silêncio e na cozinha dançámos.
Fecho os olhos, encaixo a cabeça no teu peito e deixo que me embales. O tempo parou, o mundo parou. Nada mais existe, só esta dança que nos faz levitar até ao céu estrelado. Exatamente como o Sebastian e a Mia em La La Land.
Tão fantasioso… Tão imaginário… Uma quimera…
Isto não é real!
Isto não é real!
Como um raio que me eletrocuta, descolo do teu peito e liberto-me do teu toque. Rodo sobre o espaço, confusa e miserável… Tu desapareces.
Sem despedidas e sem carregar culpas.
Em queda livre caí em espiral até à cozinha. E antes de me estatelar contra o azulejo branco, acordei.
Assustada e ofegante descolei da cabeceira. Gotas de suor cobriam-me a testa e o meu coração palpitava aceleradamente.
Lá fora chovia torrencialmente e eu recuperava o fôlego, sentada na beira da cama. Calcei os chinelos de pêlo preto e salpiquei a cara com água fria. Enquanto as gotas escorriam apressadamente pelo rosto e pescoço, fitei o espelho e num desvairo consciente proferi:
– Não te quero aqui. Já chega! – Como se alguém, do outro lado do meu reflexo, me observasse e escutasse.
Voltei para a cama, aconcheguei-me e contemplei a escuridão:
– Foi um pesadelo, dorme. – Sussurrei-me.
Mas não dormi.
Cravei as unhas no travesseiro e com a mesma força que a chuva caía lá fora, chorei. Chorei de desejo, de repulsa, de amor e de ódio. Chorei até as lágrimas secarem.
E sem medo de voltar a sonhar, chorei também até adormecer.
Comments are closed.