O meu pai é apaixonado pela Ásia, não o esconde. Partilha não só as suas memórias como insiste que eu as viva em primeira pessoa. Foi esta sua vontade que nos levou às três ao aeroporto de Bangkok, para o reencontrar vindo de Timor. Quando ele surgiu de rompante, as lágrimas lavaram-me a vista. Por todos os anos que nos passem eu serei a caçula, a mais nova do meu pai. Impossível não chorar sempre que o revia, e agora o revejo.
Rumámos para Phuket no mesmo dia que nos reencontrámos. Chovia torrencialmente quando o táxi nos entregou ao Absolute Sea Pearl Beach. O hotel, na primeira linha de praia, que nos acolheu durante as três semanas que por lá ficámos hospedados.
Embalados pela chuva tropical fomos descansar o corpo, pesado com as longas horas de viagem. Na manhã seguinte, com um pequeno-almoço reforçado e bêbados de jet lag, seguimos pelo caminho mágico até à praia.
Os dias de praia eram longos e coloridos com o amarelo dos ananases, o vermelho das melancias e o laranja das papaias. As massagens, manicures, pedicures, pinturas, colares, pulseiras, vestidos e flyers festivos foram alguns dos serviços com que interrompiam os nossos banhos de sol. Adotámos a técnica de comprar algo ao primeiro que nos abordasse. Deixávamos o artigo à vista de todos os outros vendedores ambulantes, para que nos deixassem dormir. Havia dias que resultava, outros que nem por isso.
O meu pai nunca dispensou uma massagem na praia, aliás era uma atividade tão frequente que já tinha a sua massagista favorita. Uma grande mulher, de muitos quilos, com óculos de sol e várias camadas de roupa vestidas, que estalava todos os ossos do meu pai. Desde o pescoço ao dedo mindinho do pé. Tinha as mãos ásperas, calejadas e a força de um cavalo. Uma massagem dela doía só de olhar, mas o meu pai sempre adormeceu. Ou então desmaiava de dor e nós nunca reparámos.
Foi nas praias que passámos maior parte das três semanas de férias, por isso escolhemos Phuket e não outra cidade Tailandesa. E que boas memórias criámos. O meu pai, a minha irmã e eu somos o trio mais aventureiro que conheço. Não há falta de coragem, desafiamo-nos constantemente e incentivamo-nos a ser os melhores em tudo. Mesmo que num jogo de matraquilhos. Como praxe, o meu pai desafiou-nos para uma corrida de motas de água. O mar estava agitado e só duas motas estavam disponíveis. A minha irmã apoderou-se de uma e nós os dois da outra. O meu pai conduzia com cautela, apesar de ser competitivo é pai e, certamente, não me queria ver projetada a alta velocidade para alto mar. No entanto, quando trocámos de posições, não concebia uma derrota contra a minha irmã. Semicerrei os olhos, rodei a mão direita com fulgor, gritei de adrenalina e voámos contra as ondas. O meu pai agarrava-se a mim como nunca antes o havia sentido:
– Epa! Vai devagar! – Gritava-me aos ouvidos.
Eu ria histericamente, com a cara lavada em sal. Perdemos a corrida, mas este momento alegrou-me durante dias. Aliás, ainda hoje me faz soltar uma gargalhada.
Quando acusávamos indícios de insolação abandonávamos a praia, tomávamos um banho e dividíamos o quarteto em duplas. O casal ficava a recuperar energias para a noite, as irmãs Fidalgo saíam para as compras. Procurávamos Billabong, Quicksilver e outras marcas porreiras mas ao preço da chuva. Íamos destinadas a regatear e quase sempre conseguíamos o que queríamos. Quando eles não baixavam para o nosso preço ideal virávamos costas na esperança que se arrependessem e corressem atrás de nós. Umas vezes corriam, outras não. Quando não vinham, voltámos ao hotel, fazíamos queixinhas ao meu pai e suplicávamos que ele nos acompanhasse. O meu pai é o rei do regateio, acredita no que te digo. E foi assim que carregámos as malas de viagem com vestuário e coisas, tradicionalmente bonitas, que só passam despercebidas na cidade onde as compramos. (Como foi o exemplo dos quatro dragões amarelos, budas felizes e t-shirts “ I love Phuket”, que encontrei quando desfiz a mala).
De Tuk Tuk explorámos o que em conjunto havíamos decidido. Visitámos o museu do ouro, cuja extravagância megalómana nos deixou de queixo caído, selvas tropicais, mercados típicos, centros comerciais e assistimos aos shows dos ladyboys. Um ladyboy é como na Tailândia, particularmente, intitulam os travestis. Um homem que se veste, maquilha e age como uma mulher. Uma mulher com um pirilau. Se mesmo assim não me entendes, vê o filme “A Ressaca 3”. É tal e qual. E enganas-te se te achas capaz de os/as distinguir. Muitos ladyboys são cópias, quase, exatas de uma mulher. Nós os quatro abandonávamos a casa de espetáculos sempre na dúvida e a debater quem eram as mulheres originais em palco. Debates inconclusivos.
Com antecedência, e estatelados nas espreguiçadeiras, marcámos duas excursões que ansiávamos fazer: as ilhas Phi Phi, especificamente Maya Bay (uma das praias mais famosas do mundo) e Khao Phing Kan (vulgarmente conhecida como a ilha do James Bond). Os valores das excursões variam consoante o poder do regateio.
Em Khao Phing Kan fotografámos o grande marco que lhe dá forma. Sendo que todos tentámos a ilusória fotografia onde carregamos o pedregulho com as mãos, pés, costas ou dedos das mãos. Umas fotografias resultaram, outras nem por isso.
Nas ilhas Phi Phi (leia-se Pi Pi ou Fi Fi), a minha irmã e eu realizámos um sonho adolescente em comum. Assim que o barco atracou e nos deram permissão, saltámos para a água translúcida. Nadando apressadamente, com o medo imaginário que um tubarão nos caçasse a dar turbo às nossas braçadas. Naufragadas no areal fino e branco, demos as mãos e absorvemos a paisagem que dá cenário ao filme “The beach”, que conta com o Leonardo Dicaprio como protagonista. Desconhecedoras de qualquer palavra ou som, ficámos em silêncio perante aquele exotismo surreal. Certa estou que, assim como na minha cabeça, a música “Pure Shores” das All Saints ecoava também no pensamento da minha irmã. Foi um sonho tornado realidade. Estávamos ali, no mesmo cenário que revimos dezenas de vezes no nosso filme favorito. (Se eliminássemos os outros turistas, os calções às bolinhas e as máquinas Kodak que nos distraiam a miragem).
Phuket é o sítio ideal para quem procura praias paradisíacas, noites loucas, paisagens que emocionam a íris mais insensível e umas férias variadas. Tens tudo o que quiseres, quando quiseres e ao preço da chuva. Os Tailandeses são simpáticos, afáveis e familiares com palavras portuguesas como bacalhau, batatas, obrigado, Cristiano Ronaldo e Benfica. (Para mal dos meus pecados e alegria do meu pai). Três semanas será o tempo ideal para conhecer esta ilha, tendo em consideração que se perdem dois dias em viagem e que o jet lag não é mito. A humidade é também real, o que dispensa a carga roupas pesadas, calçado pouco confortável e arejado, pranchas de alisamento e desodorizantes ineficazes.
Voltaria a Phuket num abrir e fechar de olhos. Mesmo que num dos dias de praia tenha sido, gentilmente, eletrocutada por uma medusa que me acariciou o gémeo direito. Nunca nadei tão rápido na minha vida, ao mesmo tempo que gritava de dor e chapinhava a àgua salgada. A minha família olhava-me apavorada. A minha irmã começou também a fugir do mar, sem saber o que se estava a passar. Instintos.
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