– Oh meninas! Venham pôr-a-mesa!

Gritavam os meus avós e pais, em passados mais distantes que outros.

Éramos seis, na hora de pôr-a-mesa. Depois sete. Novamente seis. E depois cinco, porque eu parti.

Lembro-me de revirar os olhos quando me chamavam, interrompiam sempre algo extremamente inútil, mas vital naquela idade. Obrigavam-me a pausar o jogo, o filme, a série ou as mensagens, ocas, para o rapazinho jeitoso. Ia sempre contrariada, era uma chatice pôr-a-mesa! Nem sequer era uma mesa bonita! Os copos eram todos diferentes, os garfos de metal tinham os dentes tortos, nem todas as facas eram de serralhas, os guardanapos eram panos velhos e a toalha era sempre a mesma. Aquela plastificada e já esfaqueada em algumas partes, sabes?

Hoje queria essa chatice… Queria-a tanto que me invade os sonhos. Devaneio com vozes familiares que me gritam para ir pôr-a-mesa, onde somos sete outra vez e para sempre.

São agora 20h30. Está na hora de pôr-a-mesa.

Não somos sete, ou seis ou cinco. Sou apenas eu e uma mesa, que nada se compara às de outrora. Os copos são todos iguais, os garfos perfeitamente asseados, os pratos pintados à mão e os guardanapos têm rebordos dourados. É bonita demais só para mim!

Nesta hora de pôr-a-mesa, não me apetece pôr-a-mesa.

Nesta hora de pôr-a-mesa, a mesa não é posta.

Nesta hora de pôr-a-mesa, a saudade aperta.

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3 Comments

  1. Christelle

    mais um texto lindo, tocante.
    Sempre um prazer ler te.
    Beijo

  2. Conheço a sensação. Já estive nesse lugar um dia, e acredito que voltarei a estar em breve. Umas vezes irritamo-nos com o barulho do desassossego outras vezes o sossego desafina-nos.
    Assim é a vida.
    Beijinhos 😘