Quando a saudade aperta tudo é motivo para voltar a Portugal.
Assim que resgato a mala do tapete, há adrenalina. Há ansiedade de me sentir em casa, de querer o conforto de infância que lá fora não encontro. No entanto, quando a azáfama acalma, reconheço que quanto mais retorno mais distante e despertencente me sinto. Antes era como voltar a respirar puro, agora são só algumas brisas que me sossegam. Como se andasse por uma viela e só algumas pedras da calçada fossem do meu tempo.
Entristeço-me.
Foi egoísmo e prepotência da minha parte, pensar que podia desbravar mundo sem que os meus se desbravassem, sem que a minha visão do meu mundo fosse desbravado. Sem que as cidades se alterassem, sem que as ruas se multiplicassem, sem que os animais envelhecessem e sem que as crianças crescessem. Lá no fundo, talvez quisesse que o café da aldeia não tivesse sido trespassado, que os grafitis de bom gosto não perdessem cor, que se conduzisse sem trânsito, que as mentes quadradas se iluminassem, que o pessimismo lusitano sorrisse e que a moral politicamente correta deixasse de ser hipócrita. Contudo, o que não mudou, já não me faz sentir igual. O quarto que era meu já não me reconhece e o espelho que me via reflete agora um novo eu. Alguém em quem me transformei sem dar conta.
Mas, não foi isto que quis? Evoluir, ser corajosa, pioneira e destemida?
Quis ser capaz! Quis mudar!
Então fui, e guardei numa caixa de papel a menina que era. Entendo agora que me preparei para a aventura e não para a mudança. Emigrar fora uma escapadela desesperada ao que não me fazia feliz. Era um “vou ali mas já volto a casa”. Não previ, enquanto caminhava por outros mundos, que o que era casa também seguia rumo. Demorei a entender que foi uma menina que atravessou o oceano, e que não foi uma menina que voltou. E foi essa menina que construiu o sentimento de casa que agora não me reconhece.
Que eu agora não reconheço.
Que agora não nos reconhecemos.
Fisicamente, já não pertenço aqui. Não pertenço só a Portugal.
Pertenço onde então?! Nem a minha alma sabe!
E isto de não pertencer a lado nenhum, assusta!
Isto de pertencer ao mundo, assusta!
É uma guerra constante, à procura de respostas sem perguntas que sejam minhas.
Talvez pertença a quem no toque me dá amor, a quem me faz voltar. A quem me acalma as dúvidas, a quem me diz que vai ficar tudo bem. Enquanto isso…navego pelo mundo. Umas vezes pela escuridão, guiada por candeias, outras em plena luz do dia onde o céu é uma tela de cores bonitas.
Talvez um dia, quem sabe, voltarei a pertencer.
Talvez um dia, Portugal volte a ser o meu único mundo sossegado.

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ilustração de Caio Cesar Art

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5 Comments

  1. Isabel Soares

    Fez-me deitar aquela lágrima de reconhecimento deste sentimento. 💛

  2. Sofia Soares

    Consegui me ver nessas palavras. Tão bem escrito obrigada

  3. Diana T.

    Inspiras-me tanto.😢Transpareces tudo o que penso e sinto.
    Não estamos sós!💪🏼

  4. Patricia

    E é tão isto… Por um lado as saudades gritam alto, por outro, quando voltamos já não é tudo a mesma coisa. Um dia disseram-me que a decisão de sair de casa me ia levar a que não mais voltasse. Questiono-me cada vez mais o quanto isto é verdade. É viver no desconforto, mas também já não sabemos viver sem ele! Vamos por aí mundo fora e tudo muda! <3