Os parabéns são-lhe cantados, pela primeira vez, em espanhol. E ela não sabe quando apagar as velas.
Sopra, quando a olham expectantes, aplaudem e um desejo diferente nasce. Está longe de casa, longe demais.
E mais feliz que nunca.
A sua maior dádiva é ter nascido mulher, a sua maior gratidão é a coragem lhe ser leal. Demorou duas décadas e sete anos a descobrir que tudo corre bem no final. Como nos filmes verídicos, tudo encaixa no puzzle da vida. E foi tudo isto que a trouxe aqui.
Acordou com os gritos dos macacos, dentro de uma tenda numa floresta na Costa Rica. Correu para o sol como os miúdos correm na manhã de Natal. Deixou o telemóvel caído no chão, quem a trouxe ao mundo já lhe ouviu a voz. Abriu a cortina pesada, inspirou todo o ar que lhe coube nos pulmões e expirou tudo o que a deixa incerta. Abriu os braços e descalça rodopiou pelo denso verde da floresta. Com a cabeça pendurada e as longas tranças escuras a apressarem o vento.
Ela está tão feliz.
O sorriso cresce, extende-se pela alma, ilumina-lhe a pele e dá-lhe paz.
Esta felicidade pertence-lhe. Procurou-a quando se aborreceu de morrer aos poucos.
Lutou, conquistou-a e merece-a.
Eu gosto de a ver assim. Chora de alegria, medo ou saudade. Já não chora por ninguém, já ninguém a faz chorar.
Acaricia os animais do campismo e senta-se na tábua de madeira, pendurada por duas cordas na árvore das mangas. Eu vejo-a à distância. Livre como o tempo, renascida como uma fênix.
Ao fim da tarde rumou até à praia. Banhou-se, dormiu na sombra de uma palmeira, resgatou uma coleção de búzios brancos e quando o sol preparava a despedida, deitou-se numa prancha de surf e remou até ele. No meio do mar sentou-se, com as pernas a equilibrarem o balanço das ondas e as mãos pousadas entre as coxas. Entre ela e aquela imensa bola de fogo só mar. O laranja vivo inunda-lhe a cara e aquece-lhe a alma.
Foi ali, no meio de um oceano que não o seu, num país novidade e na primeira linha, que se apercebeu que o desejo de todos os anos passados se concretizou. O vago e vulgar desejo que atravessa mares e terras: o desejo de se ser feliz. Estava concretizado.
É feliz por ela, e finalmente aceitou-o. Sem pesos de consciência ou culpa por estar longe. Longe demais.
Finalmente permite-se ser feliz.
Hoje, os papéis estão invertidos.
Hoje, ela voa.
/a Alice
1 Comment
Tenho lido os teus textos. Muito bons! Deixa—me a pensar … talvez, retome a escrita. Por vezes, sinto que o que me faz falta é voltar a escrever, como fazia quando era adolescente… aquela sensação de liberdade, a sensação de descompressão …. o livrar de tudo aquilo que me aborrece,que me preocupa…
Parabéns! Continua assim!