Deixa que te conte um segredo. Estou em little Italy, sentada numa mesa coberta em quadrículas vermelhas. Acabei de dizer adeus. Sinto-me como no final de um filme. A música final ganha volume, a câmara afasta-se e fico eu. Serena, com um vinho tinto na mão esquerda e uma caneta…
Saraiva lá fora. Troveja mais do que saraiva. Tomava banho quando ficámos sem eletricidade. Corri a porta de vidro baço do chuveiro, caminhei até às portadas de madeira e corri o ferrolho. Nua e descalça voltei para baixo da água quente do chuveiro e ali fiquei. A reparar na paisagem,…
Tu não me conheces, nunca vais saber quem eu sou. Nem tu, nem os meus pais ou eu. Nem agora ou nunca. Mesmo que me ouças, vejas, leias, fales, comentes e estejas no mesmo metro quadrado que eu. Tu não me conheces, nem a mim ou a outro alguém, em…
Uma casa desfeita, desprezada pelo rosto bonito do amor. Desejariam eles que os pratos e vasos fossem de plástico, por todas as vezes que o chão se cobriu de estilhaços de vidro. Naquela casa o amor e ódio andaram de mão dada, e eles também. Tinha dias. Conheceram-se na noite…
Sete meses. Centenas de dias até a coragem o empurrar e o sentar no banco metálico, coberto de heras verdes. Ele espera por ele. E nele há todo um discurso de amor. Pausa. Rewind. Num dia ele acordou a sufocar em palavras proibidas. Em sentimentos proibidos. Em vontades que desconhecia…
O menino que andava de mãos nos bolsos para arreliar os pais, o irmão calado, o marido sereno, o pai solidário e o avô disponível. É o culpado de elevar o meu conceito de Homem. De reconhecer um Homem, quando vejo um. Não se lhe contam histórias de vícios mundanos,…
O som do telefone ecoou, a horas impróprias, pelo corredor dos quartos. Os pratos lavados escorriam na banca, tínhamos acabado de jantar. Telefonemas depois do jantar, durante a semana, eram impróprios. Mas ela esperava-o, talvez fosse ele do outro lado da linha. A mãe atendeu e chamou-a. Ela pausou os LEGOS,…
Percorria o corredor, imensamente branco e espaçoso, do aeroporto de Milano Malpensa, com a mala vermelha, e de cabine, na mão esquerda e o telemóvel na direita. Procurava o balcão da TAP e partilhava aquela caminhada, arrastada, com outros poucos humanos. Ia eu na minha serenidade quando avisto um homem,…
Gostava eu de saber como afugentar a morte. Queria eu que os salpicos de água benta a assustassem, que uma ventoinha a soprasse para longe ou que uma vassourada nas costas a paralisasse e a fizesse demorar. Estou farta da morte. Estou farta que a morte ceife os meus mais…
Posso eu deixar esta folha em branco, e ser este o meu luto. Posso eu escrever uma bíblia de palavras sofridas, descrever momentos dolorosos e ser este o meu luto. Posso eu só vestir preto, só amarelo, ou todas as cores ao mesmo tempo, e ser este o meu luto.…