Aglomero tudo o que me pertence e empilho num dos quartos.

Ainda tenho tempo.

Reparo que os ponteiros do relógio correm, mas adio o fazer da mala.

Ainda tenho tempo.

Encaixo os últimos beijos e abraços, desvalorizando em palavras a nostalgia da despedida. Mas quando nos apertamos forte, e em silêncio, sentimos a dor que nos trespassa como uma lâmina fina.

Não choro.

Ainda tenho tempo.

Fecho a mala quase vazia, de roupa e de vontade de ir.

Já tantas vezes fui embora, já tantas vezes disse adeus. E a dor é sempre igual.

Não! Desculpa… minto!

A dor ganha maldade em cada despedida.

Já não tenho tempo.

A barriga dói, a garganta seca, as palavras fogem e o coração palpita tão alto que me vibra os ouvidos.

Os cinco ocupamos o carro. Os quatro me levam. Pelo caminho não há música, rádio ou discurso. Há silêncio. Um silêncio, que fere. Que dá voz à cobardia e me sussurra ao ouvido:

⁃ Não vás. Deixa tudo lá, vira costas e não vás!

Mas eu vou… porque dos cobardes não se rezam história. E as coisas não se deixam a meio.

Vejo a ria. Os campos de trigo. Os edifícios que conheço tão bem. Para trás, fica a paisagem que me faz sentir casa.

Na despedida, foge-me a voz. Caiem as lágrimas e diminuo em tamanho.

Não limpo a cara molhada, deixo que ela seque sem papel. Que quem me veja perceba o quanto dói deixar o que se ama! O quanto dói dizer adeus e ir. Com rumo mas desorientada.

Quase chegava o comboio quando levei os olhos ao céu. De onde estou, só vejo uma estrela. Penso nele e baixo a cabeça. O quão bizarro e irreal é estar em casa sem ele. Chegar e abalar sem o ver, abraçar ou ouvir resmungar.

Não o encontrei aqui, sei também que não o encontro lá e neste vai e vem de viagens a esperança é uma: Um dia eu volto a encontrar-te.

Que viaje eu o mundo todo!

Que viaje só dentro de mim!

Prometo que te reencontro.

Ainda tenho tempo.

Author

1 Comment