O primeiro Homem a partir-me o coração foi o Nicolau, mais conhecido por Pai Natal. E todos nós sabemos o porquê.

O segundo foi o Leandro que após um fim de tarde a contemplar as estrelas, mudou de distrito e nunca mais voltou.

Seguiu-se o Pedro, que começou a partilhar o repuxo do recreio com a Sandra e não comigo.

E depois perdi conta, tantas as vezes foram que me apaixonei sozinha.

Contudo descobri que nem o Nicolau, o Leandro ou o Pedro me partiram o coração. Isso viria a acontecer largos anos depois, para nunca mais esquecer.

A dor de um coração partido não se assemelha a nenhuma outra dor sentida. Dói ao respirar e não passa com Brufen, independentemente da dosagem. No entanto, ninguém morre de amor. Ou de paixão, ou de saudade ou de vergonha. O Romeu e a Julieta não morreram de amor, mas por falta de comunicação. E a Maria, do Frei Luís de Sousa, não morreu de vergonha mas de tuberculose.

O que estou a tentar dizer é que um coração despedaçado não deixa de bater, o mundo continua a girar a nossa visão é que distorce. Perdemos, psicologicamente, o rumo. A boa notícia é que há soluções, à tua maneira. Podes seguir as regras da Dua Lipa e não falares para o teu ex ou ouvir o Justin Bieber que apela a favor da amizade. Podes acatar os conselhos dos teus pais, amigos, colegas de trabalho ou conhecidos (que dão o seu parecer enquanto escolhes os pimentos no supermercado). Ou… podes seguir o que a ti te dá conforto, paz de espírito e coragem. Demore o tempo que for. Não há cronómetro para curar um coração partido.

Esta é a minha história, semelhante e diferente de todas as que por aí andam.

É a minha.

Vivi um amor maior que o tempo mas que terminou, da forma mais dolorosa e humilhante que um amor pode acabar.

Quando me partiram em mil pequenos pedaços, joguei tetris com as peças e reconstruí o puzzle. (Frase que escrevi em 10 segundos e um puzzle que só concluí em três anos).

Foi vagaroso, doloroso e desgastante. Havia o vazio, um buraco negro que engolia toda a minha energia positiva. Estava acorrentada sem nada que me prendesse. Lutava contra mim mesma e nunca ganhei essa guerra. Há o reaprender a andar, amar e viver sozinha. Tinha medo de enfrentar uma multidão, de pedir mesa para um e de entrar em sítios públicos sozinha. Medo de não pertencer a alguém, medo de ser só eu. Tudo porque não sabia como fazer um funeral a alguém vivo.

Achei-me impossível recuperar sozinha. Era aquela miúda que começava a falar da mesma coisa, a toda a hora e sempre às mesmas pessoas. Não procurava pena ou misericórdia, mas reviver em palavras fazia-me não sentir só.

Várias foram as garrafas de vinho que vazei com as minhas amigas. Acabando sempre comigo no colo delas a chorar baba e ranho. Quando as músicas lamechas tocavam na rádio haviam vezes que furiosamente mudava de estação e outras que escutava e chorava ao volante.

Procurava formas de entreter a dor e os puzzles foram a minha droga favorita.

Numa noite fria de Dezembro, as portas do Toys”R”us deslizaram e entrei de rompante, como alguém que entra na farmácia à procura do remédio santo para as otites. Dirigi-me à secção dos puzzles de 1000 peças da Disney e saquei três, porque não havia paciência para escolher:

– É para oferecer? – Perguntou a menina dos óculos redondos.

– Sim. – Menti.

Menti porque tive vergonha de dizer que não. Como se um “não” significasse que os puzzles eram para mim, porque queria encaixar os 1000 pedaços em que o meu coração se partiu. Menti, porque a moça parecia ver a minha dor através das lunetas mágicas. Contudo, a dor foi mais profunda em casa, quando rasguei os embrulhos.

Não foi só a ela que menti. Menti a todos os que da minha vida fazem parte. Eles sabiam que eu mentia e eu sabia que eles sabiam que mentia. E estava tudo bem, faz parte. Disse-lhes que estava feliz, quando a meio da tarde me faltava o ar. Que não me incomodava mais, quando todas as noites chorava para me adormecer. Que montava puzzles por gosto e não porque estava perdida. Que me sentia livre, quando vivia somente de memórias passadas. Viver do passado não é ser livre. Mas só hoje percebo isso.

E, num demorado, de repente voltei a mim. Ao almoço, num qualquer dia da semana, a minha avó reformou-me a perspetiva.

Estava à mesa, com os cotovelos pousados na mesa e a cabeça pendurada entre as mãos. Contemplava o bordado da toalha branca de mesa:

– Que se passa menina? – Perguntou-me enquanto lavava a loiça.

– Nada bó. Coisas do coração. Medo de ficar sozinha para sempre.

– Oh, menina… Eu tenho amigas no lar que se estão agora a casar, tu tens muito tempo! Estás agora a preocupar-te com isso, valha-me Deus.

A minha avó tem 80 anos. E eu ri. Pela primeira vez em muito tempo ri com vontade de rir.

Adotei outras técnicas, lavei as vistas e assegurei o meu comando.

Obriguei-me a ouvir todas as músicas que, sem nunca terem sido da nossa autoria, eram nossas. A dor foi diminuindo e hoje são apenas música.

Do “ignora-me”, a “se atenderes morres”, a “és burra todos os dias”, a “Voldemort”, alterei o nome dele uma última vez. Ficou gravado no meu telemóvel com o nome com que foi batizado. E deixou de me doer o coração sempre que ele me contactava.

Não esqueci as datas que nos eram importantes, mas já não me lembro de as comemorar.

Aprendi a viver comigo e com a minha solidão. E não há melhor companhia para mim do que eu. Vou ao cinema sozinha. Viajo sozinha. Vou ao restaurante sozinha. Não porque não tenha amigos ou companhia, mas porque também gosto de fazer coisas só comigo.

Hoje vivo livre de um passado que me destruiu mas que me faz parte. Refiro-me a ele sem vergonhas, foi uma aprendizagem. Nunca me teria encontrado se continuasse a amar os outros mais do que a mim mesma. E esta é a minha fórmula mágica, não incumbir a minha felicidade em mãos que não sejam minhas. Sou feliz por mim, tudo o resto é um complemento, um extra.

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4 Comments

  1. Excelente!
    E mesmo com o teu coração em mil pedaços, tiveste a capacidade de limpar as tuas lágrimas, erguer a cabeça e ajudar outras nas mesmas circunstâncias.
    Obrigada.
    Um grande beijinho

  2. E, pela segunda vez, escreves um post que queria MUITO que fosse a minha história. Não a parte de todo o sofrimento, claro.. mas sim a parte da (re)descoberta de nós mesmas e da possibilidade de ser feliz sem aquela pessoa que um dia foi tudo para nós e deixou de o ser, da noite para o dia.

  3. Fantástico. A resposta da avó altera a perspetiva de qualquer um sobre o que realmente são ou não “problemas de vida.”

    Obrigado por este pedaço de alternativa para a vida.

  4. Ines Malha

    Como me revi tanto aqui…. demoramos tanto em perceber o porque…. mas tudo nos traz uma lição !
    Aprender a gostar de NÓS e a preferir a nossa companhia é o principio do amor… do amor proprio… e sera tmbm o motivo para alguem gostar de nós! Aplica-se o velho ditado …” se eu nao gostar de mim quem gostará!?”