Impaciente e atempadamente, recalcava o chão do aeroporto. Esperava, ansiosa, que elas me pintassem a íris e por isso mudei de posto dezenas de vezes. Para que não houvesse chance de elas pensarem que lá não estava.
Sozinhas romperam pelo corredor das chegadas, com as malas em punho a rolarem pelas alcatifas. Estranhamente não corri. Levantei o pé que batia impaciente e andei até elas. Vagarosa e arrastadamente. Não corri porque chorava, chorava muito. Sabia, exatamente, o quanto precisava delas agora.
Não de mais ninguém, precisava das minhas irmãs.
As do meu sangue, as que conhecem os meus jeitos de menina.
Partilhei com elas tudo o que me é favorito. Gelados, panquecas, batidos, vistas, igrejas e cafés. Apresentei-lhes o meu grupo de amigos, professores de dança, posto de trabalho, restaurantes e as lojas baratas. E assim que tranquei a minha porta de entrada, todas as outras portas da minha casa desapareceram. Tomar banho, dormir, cozinhar, vestir e falar ao telemóvel foram atividades de porta aberta. Sem espaço para vergonhas ou segredos. Somos irmãs, desde sempre, não defendemos essas políticas.
A casa ganhou vida, como se se esmerasse para receber estas ilustres convidadas. A mesa de jantar abrilhantou, o frigorífico engordou, o fogão deu gás, a torneira ganhou pressão e nenhuma lâmpada fundiu. A escova de cabelo, os lençóis, as almofadas, os elásticos, os carregadores, desodorizantes e vestidos também não se importaram de ser partilhados.
E quando apagava as luzes e as vi-a dormir, respirava a paz que tinha vindo a procurar.
Quando não as tinha comigo, porque o trabalho me puxava noutra direção, e as deixava no metro o meu coração ficava alertado. Parecia mãe delas, quando não deixo que a minha, e nossa mãe, se preocupe de tal forma comigo. Porém, Nova Iorque não as encantou como a mim. Ou talvez tenha, e elas tenham preferido ficar-me perto. Disseram-me que as ruas são barulhentas, as multidões geram confusão visual, o calor as cansa e os pés ganham bolhas.
E eu não insisti, conheço-as bem de mais. Nova Iorque foi apenas cenário de férias.
Quase todas as noites assistimos a um filme da Disney antes de dormir. De manhã, todos os pequenos-almoços foram em família e com o que sempre acordámos o estômago. Nesquik no leite, manteiga no pão torrado e cereais nas manhãs mais apressadas. O almoço era improvisado, e aí lembrei que já havia esquecido as particularidades alimentares de cada uma.
A ocupação diária era acordado pelas três. E que ricos dias tivemos nós.
A mais velha continua enamorada pelos lençóis e não amante das manhãs. Ainda foge do forno e das bocas de gás, no entanto não vi, nunca, nenhum prato sujo na banca ou camas por se fazer. É bem-disposta, desbocada, relaxada e emotiva. Tal e qual como eu.
Ver o sorriso da mais velha dá-me a certeza que ela precisava de nós, assim com eu precisava delas.
A mais pequena não muda. Nunca. Mesmo com setenta anos ela será sempre a menina. A minha e da família. A protegida. Quem eu gentilmente empurro para a frente, avançando-a, ou para trás de mim quando incerta estou. Quem bebe primeiro da garrafa de água partilhada, quem toma primeiro banho, quem guarda as moedas e cujo cenário em seu redor é inspeccionado ao pormenor. Esteja onde estiver, com quem estiver e que idade tenha. Ela não sabe, mas tem duas gladiadoras às costas, para a vida toda.
Está adulta, assertiva e responsável. Porém, ainda se esquece de espalhar o protetor e de se agasalhar. Nós gostamos de a cuidar, faz sentir que ela ainda não nos cresceu.
É quem acompanha as redes sociais com mais afinco que eu. E foi quem fez soar os mais recentes hits musicais do Toy e da Maria Leal, que prometem animar este Verão:
– Desde que ela lançou a nova música que não parou de chover em Portugal.
Ri tanto que me doeu a barriga.
E assim foi todos os dias, menos o de hoje que me despeço delas.
A ânsia antecipada, enfraquece-me a alma. Porque o tempo não pausou, porque o coração se habitou à casa que elas trouxeram. E porque a vida voltou ao que era, quando partilhávamos o mesmo tecto.
Vi-as fazer malas e a partir. E sem dar conta o meu coração foi com elas. Fugiu-me sem permissão, olhou-me de longe e envergonhado. E eu deixei-o ir com elas.
Vou buscá-lo em breve, a minha missão aqui deste lado está quase a terminar .
2 Comments
Loved it!
Bom dia, aqui do Brasil. Li todo seu blog e preciso lhe dizer que sua escrita é encantadora, cativante e, por vezes, arrebatadora. Escrevo sobre viagens e mantenho um blog desde 2006 – O Fatos e Fotos de Viagens, que agora tem novo endereço : https://fatosefotosdeviagens.com/. Estou escrevendo sobre minha última viagem, à Namíbia, e, confesso, tenho vindo aqui com frequência para buscar inspiração. Quero deixar também dito que sua escrita é tão encantadora quanto seu sorriso.
Parabéns!